Azeite. A invasão espanhola

O que é nacional não é bom. É o melhor do mundo e prémios não faltam. No entanto, a verdade é que o ouro líquido nacional tem sotaque estrangeiro.

O melhor azeite do mundo é português e faz-se no Alentejo. O prémio Mario Solinas – uma espécie de Óscar que distingue o que de melhor se faz no setor – foi entregue à Sociedade Agrícola Vale do Ouro, de Ferreira do Alentejo, e há vários motivos para o lugar de destaque que Portugal tem vindo a conquistar quando o assunto é a produção deste fio dourado. Existe o tópico da qualidade do que é produzido por cá, mas os argumentos a favor do azeite nacional não se esgotam aí. Uma das grandes vantagens face à concorrência é que consegue antecipar-se na hora de colocar o produto no mercado. Podemos agradecer ao clima, que permite uma maturação mais rápida da azeitona. A isto soma-se o facto de a barragem do Alqueva permitir irrigar dezenas de milhares de hectares de olival.

No entanto, nem todo o azeite produzido no nosso país resulta exclusivamente do trabalho de mãos nacionais. Longe disso. Muitas vieram de outros países, apaixonaram-se por Portugal, pela comida, pela paisagem, pelo vinho e… pelo azeite, cujos segredos acabaram por querer desvendar. O investimento estrangeiro neste setor português não tem, aliás, parado de crescer nos últimos anos. Já em 2009 se falava do facto de os investidores espanhóis estarem a comprar hectares de terras no Alentejo e a plantar novos olivais – um investimento que tem vindo a ser reforçado de ano para ano. 

Recentemente, foi anunciado um investimento de 10 milhões de euros na construção de um lagar de azeite na região de Portalegre. De acordo com o presidente do município de Monforte, «esta empresa [espanhola ligada ao setor agroalimentar] é uma das maiores do mundo no setor da produção de azeites, irá sem dúvida criar novas oportunidades de crescimento, de novos negócios, que irão gerar riqueza e postos de trabalho no concelho». O autarca sublinha ainda que o lagar deverá estar em funcionamento já em outubro e prevê a criação de 20 novos postos de trabalho.

Investimento espanhol é quase tradição 

O investimento vindo do lado de lá da fronteira parece não conhecer limites. Entre 2007 e 2011, só o grupo Innoliva já tinha gasto cerca de 126 milhões de euros na aquisição de 5 mil hectares de terras, sistemas de regas e equipamentos agrícolas. Para fazer uma ideia da dimensão deste tipo de valores, basta dizer que este foi o orçamento estabelecido pelo Liverpool quando iniciou as obras de ampliação do seu estádio. 

Mais recentemente, em 2015, foi anunciada a plantação, no concelho da Azambuja, do maior olival da Península Ibérica, com cerca de 700 hectares. Ou seja, o investimento por parte dos empresários espanhóis já se tornou uma tradição entre nós.

Ainda assim, e apesar de estarem no topo da lista dos que mais investem, nuestros hermanos não são os únicos a apostar no ouro líquido português. De acordo com Henrique Herculano, do Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo (CEPAAL), nos últimos anos, «os investidores em Portugal são sobretudo espanhóis, mas há também alguns suíços e franceses, entre outros. A aposta tem a ver com a expressão que o azeite tem nestes mercados. Pode falar-se em crescimento do negócio. Tem sido uma aposta a nível global».

Aumento vertiginoso

Com vários empresários estrangeiros de olho no que se faz por cá, a produção de azeite tem vindo a aumentar. Os dados mais recentes mostram que, na campanha 2017/18, houve subida de 80% face ao período anterior. De acordo com os dados da secretaria de Estado da Agricultura e Alimentação, as exportações de azeite atingiram já os 496 milhões de euros. Na última década, o setor viu a produção quadruplicar e as exportações triplicarem.

No entanto, é ainda o país vizinho que domina o mercado, com mais de metade da produção mundial. De acordo com o Conselho Internacional, a produção global aumentou tanto na campanha 2017/18 que atingiu as 2.900.000 toneladas. Só Espanha, Grécia, Itália e Portugal foram responsáveis por assegurar 1.800.000 toneladas. 

Além do crescimento na produção, tem-se registado, ao longo dos últimos anos, uma evolução a nível de preços. Segundo o secretário de Estado, Luís Medeiros Vieira, o crescimento do preço médio das exportações, por quilo, registou um aumento de 35%. 

Recorde-se que em 2015 os preços já tinha sofrido uma grande subida: as empresas não só tiveram de aumentar o volume de importações como acabaram por ter de pagar mais aos fornecedores internacionais, em consequência da queda da produção (20%) em 2014, por causa das más condições climatéricas, que afetaram os olivais em alturas cruciais.

Em fevereiro de 2015, Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, explicava que «o preço do azeite na origem, pago pelo preço da azeitona, teve um aumento na ordem dos 60%, fator que, aliado à quebra de 20% na produção nacional, vai ter de refletir-se no preço ao consumidor final». 

Feitas as contas, o crescimento do setor tem-se feito sentir em todas as frentes e promete continuar a surpreender. A qualidade do que se faz por cá tem feito aumentar a aposta na produção gourmet e o plano é continuar a fazer deste setor uma bandeira das exportações. Por isso, existe o «compromisso de continuar a trabalhar intensamente para abrir novos mercados e levar o azeite português a outros destinos, já que 80% das exportações de azeite têm como destino Espanha e Brasil».