Michelle McNamara. A mulher que morreu a tentar encontrar o Golden State Killer

Ao fim de dezenas de anos à procura do assassino em série, a polícia conseguiu finalmente encontrar o Golden State Killer. Mas ignorou o trabalho de quem dedicou décadas a este caso

Foram dezenas de violações e pelo menos 12 homicídios só no estado da Califórnia (EUA). Depois de décadas sem encontrar o rasto ao autor destes crimes, a polícia conseguiu esta semana apanhar o homem por detrás de tudo. Mas Michelle McNamara, a mulher que dedicou anos à descoberta da identidade do Golden State Killer, já não estava cá para ver o desfecho desta aventura.

Joseph James DeAngelo, de 72 anos, é o ex-polícia suspeito de ser o autor destes crimes. Foi detido esta semana e está acusado de dois homicídios. A sua detenção surge meses depois da publicação do livro ‘I'll Be Gone in the Dark’, uma coletânea de todo o trabalho de investigação feito pela autora Michelle McNamara ao longo de anos dedicados a desvendar este ‘caso arquivado’.

McNamara morreu em 2016. A obra foi publicada postumamente graças ao empenho do seu marido, o comediante Patton Oswalt. Sem saber que nome dar ao homicida, McNamara criou uma alcunha para o criminoso: o Golden State Killer. E assim começou uma ‘campanha mediática’ para apanhar o homem por detrás dos assassinatos.

Antes de dedicar a sua vida a este caso, McNamara escreveu enredos para séries de televisão e trabalhou com detetives privados. Em 2006, criou um blogue onde se dedicava a divulgar as descobertas que ia fazendo relacionadas com casos arquivados. Um deles, era o de um homem, a quem a polícia chamava East Area Rapist, que violou e matou várias pessoas na zona de Sacramento, na Califórnia.

A autora começou a focar cada vez mais a sua atenção neste caso, ao ponto de descobrir vários detalhes sobre os crimes. O método era sempre o mesmo: invadia a casa das vítimas, violava as mulheres à frente dos seus companheiros e, por vezes, acabava por matar o casal.

“Ele costumava invadir a casa quando ninguém lá estava para ficar a saber qual era a disposição das divisões, observar as fotografias de família e memorizar os nomes das vítimas”, escreveu McNamara.

“As vítimas recebiam chamadas telefónicas assustadoras antes e depois dos ataques. Ele estragava as luzes do alpendre e as trancas das janelas. Tirava as balas das armas que existiam na casa. Escondia atacadores e cordas debaixo dos colchões para mais tarde poder amarrar as vítimas. Esta preparação dava-lhe uma vantagem: quando acordavas, vias apenas um flash de luz intensa e um homem com uma máscara. Para ti, aquele homem era um estranho. Mas ele sabia quem tu eras”, lê-se no livro ‘I'll Be Gone in the Dark’.

O caso que 'matou' McNamara

O caso acabou por se tornar a vida de Michelle McNamara – encontrou-se com vítimas, leu milhares de testemunhos, reviu relatórios de autópsias. Chegou até a pedir ajuda a antigos polícias e detetives para tentar encontrar o Golden State Killer. “Estou obcecada. Isto não é saudável”, escreveu no seu blogue, em 2011.

O trabalho começou a trazer consequências para a saúde de McNamara. De acordo com o testemunho do seu marido, a autora chegava a começar a escrever apenas quando o companheiro e a filha estavam a dormir e, por isso, começou a desenvolver problemas de sono e ansiedade. A solução foi voltar-se para o Xanax e para o Adderall, usado para tratar problemas relacionados com a hiperatividade. “Três dias antes de morrer, a Michelle passou as noites acordada porque havia novas pistas relacionadas com o caso”, contou Patton Oswalt, citado pelo Washington Post.

McNamara morreu a 21 de abril de 2016, durante o sono, devido a complicações cardíacas provocadas pelo consumo destes medicamentos. Tinha 46 anos. “Não vou dizer que este caso foi a causa da morte, mas abriu as portas para o aparecimento das causas que realmente a mataram”, disse o comediante na altura.

Polícia ignora livro

A reação da polícia após a detenção de Joseph James DeAngelo não foi a que a família, amigos e fãs de McNamara esperavam: as autoridades negaram que a publicação de ‘I'll Be Gone in the Dark’ tivesse ajudado a resolver este caso. “Essa é uma questão que muitas pessoas de várias partes do mundo têm feito nas últimas 24 horas e a resposta é não”, afirmou o responsável da polícia de Sacramento, Scott Jones, em declarações à imprensa norte-americana.

A polícia reconhece que o trabalho de McNarama desencadeou um maior interesse da opinião pública neste caso, o que pode influenciar o curso da investigação, tornando-a mais urgente e, em muitos casos, dando-lhe novos contornos, conforme o aparecimento ou não de novas testemunhas ou novas provas. “Começaram a surgir mais dicas, mas, fora isso, não foi extraída qualquer informação do livro que nos levasse diretamente à detenção do suspeito”, explicou Jones.

No dia em que DeAngelo foi detido, Oswalt passou o dia a dar entrevistas e a fazer publicações no Twitter, lembrando o papel da sua mulher no caso: “Ela não queria saber do reconhecimento. Queria apenas que o Golden State Killer fosse preso e que houvesse justiça para as vítimas. Mas cada vez que a polícia se refere a este homem como o Golden State Killer, acaba por dar crédito ao seu trabalho”.