Alex Ferguson. Uma intensa luz vermelha brilhou na Cidade Cinzenta

Aberdeen: o primeiro grande trabalho do treinador que marcou a história do Manchester United. Vencedor da Taça das Taças em 1983, frente ao Real Madrid de Di Stéfano, surgiu de surpresa na Europa do futebol

A Cidade Cinzenta. Ou a Cidade de Granito.

Aberdeen: terceira cidade da Escócia, depois de Glasgow e Edimburgo.

No meu tempo de escola escrevia-se Glásgua, à portuguesa. Não faço ideia se também há uma Aberdine, à portuguesa, mas pouco importa. Estende-se, dura, pelas margens do Don. Porto privilegiado do mar do Norte e do acesso às plataformas petrolíferas.

Foi em Aberdeen que Alex Ferguson, hoje em dia a contas com uma hemorragia cerebral que não permite vislumbrar nada de bom, deu o primeiro grande passo de uma carreira a todos os títulos extraordinária.

Ele próprio considerou de tal forma importante essa passagem pelo clube escocês (Alexander Chapman Ferguson nasceu em Govan, perto de Glasgow) que decidiu escrever um livro sobre o assunto: “A Light in the North – Seven Years with Aberdeen”.

Uma luz no norte.

Uma luz intensa.

Ferguson começara a carreira de técnico no modestíssimo East Stirlingshire, de Falkirk, com apenas 32 anos (1974). Ao mesmo tempo, trabalhava num bar. O bar ao qual iam muitos dos seus jogadores. Aliás, ele tinha sido ponta-de-lança do Falkirk, pelo que estava praticamente em casa. Talvez por trabalhar num local que lhe permitia controlar muita da vida noturna da cidade, ganhou fama de ser um disciplinador terrível. Bobby McCulley, uma espécie de bad boy do East Stirlingshire, comentou certa vez: “Nunca tive medo de nenhum treinador. Mas Ferguson foi um bastardo assustador desde o primeiro minuto.”

Bem sei que bastard costuma levar outra tradução nos filmes, mas por mim fica assim mesmo.

Poucos meses depois de ter optado pela função de técnico, Ferguson estava no St. Mirren que, nesses tempos, até estava uma divisão abaixo do East Stirlingshire, mas era um clube bem maior. Quatro anos de sucesso que terminaram no único despedimento a que foi sujeito. Problemas com o presidente Willie Todd levaram a um processo em tribunal. Todd comentou. “Não tem qualquer capacidade de gestão.” O juiz sublinhou na sentença: “É particularmente mesquinho e imaturo.”

 

Sete anos Como o Jacob de Camões serviu sete anos Labão, pai de Raquel, serrana bela, sete anos esteve Alex Ferguson ao serviço do Aberdeen. O clube não ganhava o campeonato escocês desde 1955. E a primeira época não foi particularmente brilhante. Vários jogadores eram mais velhos do que ele e, desta vez, não estava numa agremiação de província, e sim num emblema com nome e prestígio no futebol escocês.

Sentiu necessidade de mudar o estado das coisas, libertar-se de determinadas pessoas, bater com o punho na mesa de quando em vez – aliás, matéria na qual tirou uma especialização ao longo da vida. No ano seguinte, o Aberdeen foi campeão. Pela primeira vez em 15 anos, havia um vencedor que não o Rangers ou o Celtic. “Esse título uniu-nos”, diria mais tarde. “A partir daí, os jogadores passaram a respeitar-me.”

Ganhou uma alcunha: Furious Fergie.

Os episódios sucederam-se. Multou um jogador por tê-lo ultrapassado de carro numa estrada, atirou com um bule de chá à cabeça de outro no intervalo de um jogo que estava a correr mal, arranjou questões em barda com a imprensa. Mas construiu uma equipa e levou o clube ao ponto mais alto da sua existência.

O Pittodrie Stadium tornou-se terrível para os adversários.

Jim Leighton, Willie Miller, Alex McLeish e Gordon Strachan tornaram-se nomes conhecidos do futebol europeu.

Os títulos surgiram com naturalidade: três vezes campeão da Escócia – 1979-80, 1983-84 e 1984-85; quatro Taças da Escócia – 1981-82, 1982-83, 1983-84 e 1985-86; uma Taça da Liga Escocesa – 1985-86.

No dia 11 de maio de 1983, o Aberdeen viveu um momento nunca antes sonhado. No Nya Ullevi, em Gotemburgo, defrontava o grande Real Madrid na decisão final da Taça dos Vencedores de Taças. Fizera um belo percurso.

Na primeira eliminatória afastou os suíços do Sion com 7-0 em casa e 4-1 fora; na segunda, os albaneses do Dínamo de Tirana (1-0 e 1-0). Seguiram-se os polacos do Lech Poznan (3-0 e 2-0). Seis jogos e seis vitórias! Mas vinha aí o monstro chamado Bayern de Munique. Também caiu: 3-2 em casa, 0-0 fora. A partir daí, não seria o Waterschei da Bélgica a fazer–lhe frente: 5-1 e 0-1.

Chovia a potes em Gotemburgo, a relva estava imprestável, mas o árbitro Gianfranco Menegali decidiu que se jogaria. Vantagem para o Aberdeen. Tirou proveito do futebol aos repelões, trancou a defesa e deixou que Stachan e McLeish criassem pavor entre Metgod, Camacho e Juan José.

Bleck fez um golo trapalhão e os escoceses ganharam vantagem aos 7 minutos.

Juanito empatou de penálti 7 minutos mais tarde.

A batalha da segunda parte obrigou ao prolongamento.

Depois surgiu John Hewitt, vindo do banco: voou para um centro de Peter Weir e banhou o Ullevi com aquela intensa luz vermelha que vinha do mar do Norte. Alex Ferguson tinha tido um adversário à altura. No banco do Real Madrid sentara-se Alfredo Di Stéfano.