Tensão na Proteção Civil

Falta de meios aéreos, travão na escolha da equipa de comandantes e confronto com o presidente da Liga de Bombeiros levaram o coronel António Paixão a sair do comando da ANPC.

Tensão na Proteção Civil

A pouco mais de um mês do início da época crítica de incêndios, a semana começou com um estrondo na Proteção Civil.  Cinco meses depois de ocupar o cargo, o ex-comandante nacional da Proteção Civil, António Paixão, pediu a demissão em colisão com ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e com o presidente da Liga de Bombeiros, Jaime Marta Soares. Em menos de ano e meio, é a quarta mudança no topo da cadeira de comando da Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC).  

A decisão foi anunciada na passada segunda-feira à noite, depois de uma reunião que durou cerca de quatro horas onde estiveram presentes, além de António Paixão, o presidente da Autoridade Nacional da Proteção Civil, o tenente-general Mourato Nunes e o ministro Eduardo Cabrita.

O militar bateu com a porta apontando várias razões para o seu descontentamento, que, de acordo com fontes próximas, passam por decisões de tutela e pela falta de meios aéreos para o combate aos incêndios. Pesou ainda na sua decisão um confronto com Jaime Marta Soares numa reunião que decorreu na tutela na quinta-feira anterior à sua saída.

Segundo o Público, o coronel abandonou a reunião onde estava presente o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves,  depois de Marta Soares ter pedido ao governante para mandar «calar» e para «aturar» o comandante nacional, que nomeara. O desentendimento entre António Paixão e Marta Soares já é antigo e ficou visível quando o presidente da Liga de Bombeiros disse no Parlamento que o comandante nacional era «vaidoso» e «prepotente». Marta Soares não escondeu que ficou agradado com a demissão defendendo a vários órgãos de comunicação social que o coronel «estava deslocado» e que «não tinha o perfil adequado».  

Em comunicado, o MAI apontou «motivos pessoais» para o pedido de exoneração e no mesmo dia anunciou a nomeação do coronel tirocinado Duarte Costa a assumir as funções de comandante nacional. 

O caso levou o PSD e o CDS a apresentarem requerimentos para chamar António Paixão ao Parlamento com urgência para que explique os motivos da sua saída. Todos os partidos votaram a favor da ida do coronel à Assembleia e a bancada socialista absteve-se. A audição ainda não está marcada.  

Descontentamento com a tutela

A vinda de três peritos espanhóis para darem formação durante três semanas ao elenco de dirigentes da Proteção Civil na gestão de meios e combate aos incêndios, foi uma das razões que gerou o descontentamento com a tutela, sabe o SOL. A decisão terá sido tomada e imposta pela recém-criada Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) e foi mal acolhida pelos comandantes tendo em conta que a própria Proteção Civil tem uma escola onde os profissionais recebem formação.

Segundo o DN, os dirigentes da Proteção Civil encararam a vinda dos peritos espanhóis como um pedido de auxílio com caráter de «emergência» que revela «um atestado de incompetência aos quadros nacionais» e «prepotência» por parte da AGIF.

Já a RTP revelou que outra das razões para a rutura com a tutela passou pela escolha da equipa de comandantes.  O Sexta às 9 disse ontem que teve acesso a uma lista de António Paixão com «15 convites» que chegaram a ser feitos para que o coronel formasse «uma equipa que lhe desse confiança para a época de incêndios». Entre os convites estavam «quatro dos comandantes distritais que foram exonerados no ano passado» a dois meses do início da época de incêndios (há 16 meses) por ordem do Executivo. No entanto, a tutela travou a escolha do coronel e Marta Soares assumiu à SIC as divergências na escolha da equipa de comandantes dizendo que queria escolher «30 oficiais de ligação ao comando nacional» enquanto que António Paixão «queria nomear comandantes operacionais».  

Falta de meios aéreos

Também a falta de meios aéreos levou à saída de António Paixão. A Proteção Civil devia contar com um dispositivo de 20 meios aéreos desde o dia 1 de maio mas, à data da saída do coronel, só havia três helicópteros aptos para voar. 

Só na quinta-feira o Tribunal de Contas (TdC) deu luz verde ao contrato de aluguer de dez helicópteros que desta forma já podem ser utilizados pela Proteção Civil no combate aos incêndios. O dispositivo de meios aéreos passou então a contar com um total de 13 helicópteros ligeiros. De acordo com a nota de imprensa do MAI os dez helicópteros ligeiros vão ficar sediados nos centros aéreos de Vale de Cambra, Fafe, Macedo de Cavaleiros, Castelo Branco, Lousã, Monchique, Guarda, Baltar, Sardoal e Arcos de Valdevez. As restantes três aeronaves ligeiras do Estado vão estar estacionadas em Loulé, Viseu e Vila Real.    

Para que o Estado possa contar com os 20 meios aéreos que deveriam estar disponíveis desde 1 de maio, falta ainda o visto do Tribunal de Contas para o contrato de aluguer de quatro aviões anfíbios com a Agro-Montiar. Somam-se ainda os seis Kamov, que o Estado comprou em 2006, e que estão impedidos de voar por avaria ou por falta de certificação da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC).    

O aluguer destes dez helicópteros à Heliportugal foram os únicos meios a ficarem adjudicados no concurso internacional lançado pelo Governo, em dezembro de 2017, para o aluguer de 50 meios aéreos, até 2020, por um total de 60 milhões de euros. Todos os outros meios aéreos ficaram sem contratos de aluguer. Por isso, em março, o MAI voltou a lançar um novo concurso no qual foram adjudicados quatro aviões anfíbios. Estes são os contratos conhecidos mas o Governo garante que já «estão adjudicados 42 meios aéreos». 

Inspeção à licenciatura

Também a inspeção à sua licenciatura terá gerado mal-estar com o MAI que pediu à Inspeção Geral da Educação (IGEC) que analisasse as 17 equivalências que foram atribuídas ao coronel no curso de Estudos de Segurança da Lusófona. 

Segundo as conclusões provisórias da IGEC, as equivalências que lhe conferem o grau de licenciado não estão irregulares mas, ainda assim, o coronel vai ter de devolver o diploma. Isto porque o documento «certifica factos que não correspondem à verdade» tendo em conta que inclui disciplinas que fazem parte do mestrado em Ciência Política, Cidadania e Governação, frequentado por António Paixão, mas que «não integram o plano de estudos da licenciatura em estudos de segurança». 

Por isso, tal como avançou o jornal i esta semana, a IGEC exige à Lusófona que recolha o diploma do coronel e que «proceda à correta emissão da certificação do grau de licenciatura», lê-se no relatório onde constam as conclusões provisórias. 

A Lusófona tem um prazo entre dez a 20 dias úteis para responder.