O imposto do bife? Taxar a carne pode ajudar a poupar o ambiente

O preço dos combustíveis continua a aumentar e a verdade é que existem indústrias tão ou mais poluentes – e nocivas para a saúde – quanto esta. A da carne vermelha é uma delas e taxá-la está em cima da mesa em vários países. Seria uma hipótese viável por cá?

Pela décima semana consecutiva, o preço dos combustíveis voltou a aumentar. E a verdade é que, no caso do gasóleo, mais de metade do valor final pago por litro corresponde a impostos – imposto sobre o valor acrescentado (IVA), imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), contribuição sobre o setor rodoviário e taxa de carbono. Quando a saúde da população é cada vez mais uma preocupação dos governos – veja-se, por exemplo, o imposto sobre o açúcar, a vigorar em Portugal desde o ano passado –, alguns países estão a pensar aumentar a carga fiscal de produtos tão ou mais prejudiciais que os combustíveis quer para a saúde, quer para o ambiente. É o caso da carne vermelha, cuja taxação já foi discutida em países como a Alemanha, a Dinamarca ou a Suécia.

O debate tem vindo a intensificar-se recentemente, algo motivado não só pela classificação da carne vermelha como potencialmente cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas também pelas medidas determinadas no Acordo de Paris. Em termos de contrapartidas para o ambiente e saúde, seria um novo imposto sobre a carne vermelha uma alternativa ao aumento consecutivo do preço dos combustíveis?

A indústria da carne e o ambiente “Não há qualquer dúvida de que a carne vermelha tem uma grande pegada de carbono”, assinala João Branco, presidente da Quercus. Para o ambientalista, o cenário de taxação “seria viável, tal como se fez com o açúcar”, uma vez que “a produção e consumo de carne vermelha é um dos principais problemas ambientais do planeta”. E de facto, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 15% das emissões globais de gases com efeito de estufa devem-se ao setor da pecuária.

A argumentação ganhou força no final do ano passado, quando a Farm Animal Investment Risk and Return (FAIRR) publicou um relatório em que defende que a taxação da carne vermelha é “inevitável” e que é provável que aconteça dentro de cinco a dez anos.

Uma das principais preocupações suscitadas pelo relatório diz respeito ao aumento do consumo de carne nos últimos anos – 500% entre 1992 e 2016. Por isso, argumenta a FAIRR, a indústria da carne está provavelmente a encaminhar-se para o mesmo destino da indústria do tabaco.

No entanto, ao consumo de recursos que a produção intensiva de carne vermelha envolve acrescem outros impactos. “Grande parte da carne vermelha que nós consumimos é importada. Por isso, acresce a pegada do transporte da carne, além do facto de a sua produção ser um dos maiores fatores de alteração dos usos da terra – o que está a acontecer um pouco por todo o mundo é que vastas áreas estão a ser desflorestadas para haver mais lugares para atracar o gado”, aprofunda Branco. Alguns movimentos ambientalistas têm alertado que a produção de carne é mesmo o principal motivo para a desflorestação da Amazónia.

A viabilidade económica Se, do ponto de vista ambiental, a medida poderia fazer sentido, no que toca ao impacto económico – e sobretudo à ideia de esta poder ser alternativa às taxas sobre os combustíveis – há algumas dúvidas.

Pedro Martins Barata, consultor de alterações climáticas e CEO da Get2C, não acredita que esse venha a ser o caminho. “Há boas razões para taxar a carne vermelha. Agora, em termos económicos, taxar a carne vermelha e, com isso, não aumentar o imposto sobre os combustíveis não é comparável. Não faz muito sentido substituir uma coisa pela outra porque ambas são nocivas”, admite o especialista, até porque “o nível de receita fiscal que vem da gasolina é um número muito substancial”.

Contudo, Pedro Martins Barata considera que é preciso encarar a questão a longo prazo. “Há muita gente que acredita que, daqui a 20 ou 30 anos, o mercado automóvel e a forma como nós nos relacionamos com o automóvel vão sofrer imensas alterações.”

Nessa conjuntura, o consultor deixa o aviso: “Os Estados que hoje confiam na fiscalidade sobre a gasolina e o automóvel vão ver-se obrigados a procurar alternativas de financiamento.”

Para Martins Barata, se por um lado a mobilidade vai passar a ser tendencialmente elétrica, por outro vai tornar-se autónoma – sem necessidade de condutor – e vai caracterizar-se por ser cada vez mais partilhada. “Vai passar a haver muito menos produção de automóveis, mas uma maior utilização de automóveis. Ou seja, eu posso recorrer a um Uber e prescindir de ter um carro ou dois. Se isso acontecer – em Lisboa, nas camadas mais jovens, isso já é visível –, nós continuarmos a pensar em impostos sobre a gasolina e o automóvel é um caminho sem grande futuro em termos de receita fiscal”, remata.

Não faltam estudos que mostram os efeitos da redução da produção e do consumo de carne vermelha, mas as palavras do especialista da Universidade de Leeds Tim Benton ao jornal britânico “The Guardian”, em 2014, dizem tudo: “A maior intervenção que as pessoas podiam ter para reduzir a sua pegada de carbono não era abandonar os carros, mas comer significativamente menos carne vermelha.” E porquê os bifes de vaca em particular? Porque as vacas ocupam 28 vezes mais terra do que a produção de porco ou de frango, precisam de 11 vezes mais água e resultam em cinco vezes mais emissões que contribuem para o aquecimento global.