Demissões no governo ameaçam futuro de Theresa May

A primeira-ministra britânica enfrentou três demissões. Boris Johnson e David Davis saíram com fortes críticas à estratégia do governo para a saída da UE

A primeira-ministra britânica, Theresa May, continua a não ter a vida fácil. Hoje, o seu governo sofreu três pesadas baixas. Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros e grande referência da saída dura do Reino Unido da União Europeia, demitiu-se em desacordo com a suavização política da posição britânica, nomeadamente com a criação de uma zona de livre comércio com a UE para bens agrícolas e industriais a destacar-se. A nova política foi decidida na sexta-feira, numa reunião de 12 horas entre todos os membros do executivo em Chequers, a casa de campo do primeiro-ministro. “O sonho [do Brexit] está a morrer, sufocado pela desnecessária falta de confiança”, criticou Johnson. 

Poucas horas antes da demissão de Johnson, já outro dos grandes representantes da linha dura do Brexit no executivo, o ministro das negociações com a UE, David Davis, apresentara a sua demissão por não poder defender uma política na qual não se revia. Com ele saiu também o seu número dois, Steve Baker.

A ameaça de êxodo de outros apoiantes da linha dura aumentou a pressão sobre May e as dúvidas de que a primeira-ministra consiga ter margem de manobra para se manter à frente do governo. Mas a primeira-ministra, que nomeou um seu aliado para substituir Johnson – Jeremy Hunt – e um deputado favorável ao Brexit –  Dominic Raab – para o lugar de Davis, já reagiu à debandada com confiança. “Lamento – e estou um pouco surpreendida”, disse May sobre a saída de Johnson. Mas, se o agora ex-ministro não podia apoiar o plano que foi acordado pelos membros do governo na sexta-feira, May foi perentória: “Fazes bem em sair.”

O gabinete de May tinha acabado de aparar os golpes de Davis e Steve Baker quando a demissão do chefe da diplomacia britânica chegou a Downing Street. “Esta tarde, a primeira-ministra aceitou a demissão de Boris Johnson de ministro dos Negócios Estrangeiros. O seu substituto será anunciado em breve. A primeira-ministra agradece a Boris o seu trabalho”, diz o comunicado de Downing Street. A crise desatava-se a poucas horas de a primeira-ministra discursar na Câmara dos Comuns. 

Na sua carta de demissão, Johnson não esteve com meias- -palavras, criticando o atual rumo das negociações do Brexit por estarem a colocar o Reino Unido sob um “estatuto de colónia”. Ainda que tenha inicialmente concordado com o acordo de Chequers, o ex-ministro voltou atrás. “O problema é que pratiquei as palavras durante o fim de semana e descobri que ficam espetadas na garganta”, escreveu. “Por não conseguir, em consciência, lutar por estas propostas, concluí tristemente que tenho de sair.” Para complicar a situação, Johnson decidiu tornar pública a sua carta de demissão antes da resposta da primeira-ministra ser conhecida, quebrando a convenção de as cartas de demissão de membros do governo serem divulgadas ao mesmo tempo que a resposta do líder do executivo. May respondeu a Johnson na mesma moeda, mostrando-se surpreendida depois das “produtivas reuniões” e da “detalhada proposta” delineada em Chequers. 

Há muito que Johnson não desperdiça uma oportunidade de fragilizar a posição de May, criticando publicamente a sua estratégia e acusando o executivo de falta de “coragem”. E também não a desperdiçou na sua carta de demissão: “A direção geral da nossa política deixa-nos, na melhor das hipóteses, numa frágil posição de negociação e, provavelmente, numa posição da qual não poderemos escapar.”

“Se ela não deixar cair Chequers, haverá mais [demissões]”, disse uma fonte próxima da linha dura do Brexit à BBC, acrescentando que se não o fizer, então “sairá mais um, depois outro, depois outro”. Os deputados da linha dura dos conservadores deixaram clara a sua disponibilidade para desencadearem uma disputa pela liderança. Para tal, basta que 48 deputados escrevam cartas ao líder da bancada parlamentar dos tories, Graham Brady, a pedir a convocatória de uma moção de censura na Câmara dos Comuns. 

Depois de discursar no parlamento, May reuniu-se em privado com os deputados para os dissuadir. Argumentou que um partido dividido sobre a liderança perderá as próximas eleições, arriscando-se a ter um governo liderado pelo Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Horas antes da reunião parlamentar, Davis disse publicamente que continua a apoiar a liderança de May e que recusa ser candidato em futuras eleições internas. Johnson, esse, remeteu-se ao silêncio. 

May parece ter sido capaz de aplacar a fúria dos deputados rebeldes por agora, mas um deles, Chris Green, demitiu-se por considerar que o Brexit não deve existir apenas legalmente e que a primeira-ministra falhou em responder às suas preocupações durante a reunião.

Se May teve de enfrentar os membros do seu próprio partido ao longo do dia de ontem, o Partido Trabalhista também não lhe deu descanso no plenário. “Precisamos de um governo que seja capaz de governar e negociar para o bem deste país e do seu povo. O governo precisa de agir em conjunto e fazê-lo rapidamente, e, se não puder, deve abrir caminho para aqueles que podem”, disse Jeremy Corbyn, ao exigir a demissão de May.