A chantagem com o passado colonial de Portugal, o coro permanente de invenção de racismos e discriminações (como se fosse necessário inventá-las), a manifestação contra uma figura da nossa história de reconhecido mérito universal, a reivindicação de museus e estátuas da escravatura, o ódio aos Descobrimentos que académicos se prestaram a ornamentar, a agressividade dominante em todas estas intervenções são exemplos do que parecem ser preliminares de aquecimento num programa que visa mais longe.
É o que parece revelar, pelo seu conteúdo impositivo e tom provocador, um artigo há dias divulgado pelo Público (22/6), com o título Não a um museu contra nós:
«Nós, negras e negros em Portugal [‘em’ Portugal e não ‘de’ Portugal, note-se, estrangeiros portanto] exigimos à CML uma aposta séria num memorial de homenagem às pessoas escravizadas, num Museu do Colonialismo, da Escravatura ou da Resistência Negra, que descortine os aspetos essenciais e até aqui secundarizados daquilo que foram os reais impactos da empresa colonial de Portugal no mundo, suas consequências no presente e daquilo que foram os reais contributos das pessoas negras na resistência a esse sistema».
Não pedem, não fundamentam a necessidade de um museu que trate a História desse período com rigor. Exigem um museu da escravatura… portuguesa. E da islâmica e africana que tornou possível que o tráfico atlântico atingisse a dimensão quantitativa que atingiu? Algo que o museu livre e rigoroso, que não querem, terá de referir e documentar.
O que querem impor não é um museu onde a História seja apresentada com rigor e o mérito universal da epopeia dos Descobrimentos seja tratado e promovido como é justo e nos cumpre. O que exigem, como escreveu Eduardo Lourenço, é a convocação metafórica de um «quase tribunal da Inquisição» para «pôr na pira a história do nosso pequeno país, que não o merece». Exigem-nos a promoção masoquista das sombras que existem em todas as empresas humanas e a omissão do que deve ser consagrado como exemplo. Isto é, querem impor-nos uma vitimização absurda, igual à que tem condenado o mundo deles a um destino trágico.
Estamos perante uma tentativa de intrusão na nossa memória, no âmago da nossa individualidade, nesse reduto último da dignidade humana que o totalitarismo sempre tentou violar. Algo da mesma natureza dos campos de reeducação maoístas, dos asilos psiquiátricos soviéticos, do gulag siberiano e mesmo da ‘solução final’ nazi (tudo filhos do mesmo pai).
Pior, essa chantagem com o passado colonial e a época épica dos Descobrimentos (que os trouxeram, afinal, até ao refúgio que Portugal lhes oferece) assenta numa mistificação, na ocultação da escravatura árabe-muçulmana e inter-africana que começou sete séculos antes, durou mais tempo e ainda não foi mesmo abolida em vários Estados muçulmanos.
Por que não alertam para a escravatura, visível ou discreta, que hoje continua a verificar-se no Médio Oriente e na África? É essa, é aí, que é preciso combater.
E por que não promovem um memorial aos intelectuais que combateram, combatem, morreram e morrem por um islão iluminista nos lugares de onde terão fugido seguramente muitos dos subscritores do tal artigo?
E quem são estes «negras e negros em Portugal» para falar da história de Portugal e fazer exigências à Câmara Municipal de Lisboa?
Deve temer-se que a sucessão de provocações racistas em crescendo suscite nas pessoas menos advertidas e informadas uma reação de enviesamento na visão esclarecida da História. Provocações que poderão suscitar na sociedade comportamentos inaceitáveis. Será este o objetivo?
Quem quiser conhecer o futuro próximo de Portugal olhe para a França. Foi sempre assim entre nós. O exemplo anterior dessa recorrente importação de ideologias é na Educação, com a devastação perpetrada na Escola, cujas consequências são hoje gritantes (Portugal está no fundo do ranking de indicadores culturais dos países da UE…).
Importações de que só conseguimos livrar-nos sempre muitos anos depois de varridas no lugar de origem.
Para terminar, volto à boutade de Eça em epígrafe. A aliança clara na França entre a esquerda radical e o fundamentalismo islâmico (por cá ainda taticamente oculta ou discreta) revela a etiologia da aliança entre nós da esquerda radical com o ativismo auto designado antirracista, mas na realidade racista. É o adversário de sempre que a explica, o capitalismo, a sociedade liberal, a liberdade.
E é no registo de ‘seita milenarista fanática’, que está na natureza da esquerda radical, que esta se encontra com o islamismo fundamentalista, julgando poder ter nele um aliado.
O seu objetivo – entre nós ainda taticamente (mal) escondido – é sempre a realização delirante da profecia sanguinária de Marx: a revolução mundial apocalíptica, recorrentemente falhada.
Por isso, é bem revelador o ódio que partilham com o antirracismo racista aos Descobrimentos, por terem tido um papel decisivo na criação de um mercado mundial.
Não aprenderam nada.