Eddie Vedder. Uma questão de valores

A reputação dos Pearl Jam continua a ser a da banda eletrificada e combativa dos anos 90 mas o amadurecimento serenou a escrita de Eddie Vedder. Veio a prancha e o ukulele, resistiu o ativismo como a defesa das causas ambientais e políticas. E os ataques a Trump. 

14 de julho de 2018. Dia do terceiro concerto dos Pearl Jam no festival que, involuntariamente batizaram. ‘Alive, I’m still alive’. Na memória dos fãs que esgotaram os bilhetes em três dias para esta noite. Dos saudosistas do tempo em que o rock era bandeira de novas gerações. Para esses, Eddie Vedder ainda é uma referência incontornável. Um ícone dos anos 90, resistente até hoje como Brad Pitt ou Johnny Depp no cinema. Bem conservado e jovial nos seus 53 anos. Trinta, menos três, desde o clássico Ten, património imaterial de 1991 – o ano de Nevermind dos Nirvana, de Blood Sugar Sex Magik dos Red Hot Chili Peppers, do Black Album dos Metallica. E também de Badmotorfinger dos Soundgarden, Use Your Illusion I e II, dos Guns N’Roses, dos Temple of The Dog, de Achtung Baby dos U2, de Blue Lines dos Massive Attack e de Screamadelica dos Primal Scream. O mercado da saudade vende a quem tem poder de compra mas as pranchas e o ukulele não significam que Edward Louis Severson III tenha abdicado de se bater por causas ou verbalizar posições.

Esta semana no festival Werchter, na Bélgica, o marujo Jack Johnson foi convidado para acompanhar Eddie Vedder numa versão do hino ‘Imagine’, de John Lennon, dedicada a Donald Trump. O Presidente americano tornou-se uma espécie de saco de boxe da comunidade artística. Em Londres, ‘Love Boat Captain’ foi-lhe dedicada, a propósito do projeto-lei de imigração de separação entre pais e filhos que sejam imigrantes ilegais. «Gostava que ele ouvisse mas ele não ouve música nem lê livros. Alguém lhe pode enviar no Twitter?. Para as mães, pais e crianças separadas nas fronteiras. Este não é o país em que cresci», lamentou. 

E embora as novas canções e álbuns dos Pearl Jam já não tenham o impacto de Ten ou Vitalogy, ‘Can’t Deny Me’, o primeiro inédito em quatro anos e meio, desde o derradeiro longa-duração Lightning Bolt, de 2013, é uma dedicatória direta a Trump. «The higher, the farther, the faster you fly / You may be rich but you can’t deny me / Got nothing, got nothing but the will to survive / You can’t control and you can’t deny me», solta Eddie Vedder como um adolescente de uma banda punk acabada de sair da garagem.

O coro de protestos não vem de hoje. Uma das mais conhecidas polémicas dos anos 90 opôs os Pearl Jam à Ticketmaster, quando estavam no auge. Em 1994, a indústria aguardava pela banda para ocupar o espaço deixado orfão pelos Nirvana. Os Pearl Jam acusaram a promotora de monopolizar o mercado da venda de bilhetes e avançaram para os tribunais. Um processo em nome de preços mais acessíveis para os fãs a que a Ticketmaster se opôs para cobrar comissões mais altas, justificadas com custos elevados de produção. Uma digressão de verão foi cancelada. E a volta posterior dos Pearl Jam foi co-produzida com a…Ticketmaster. 

Política, indústria e…ambiente. Eddie Vedder, o surfista amigo das ondas da Ericeira há muito que é um defensor das águas limpas. Em 1996, participou numa campanha pela proteção das praias e dos oceanos. Em 2010, os Pearl Jam doaram uma quantia generosa para a plantação de árvores em Washington. E no seguinte, foram nomeados ‘Defensores do Planeta’ pelo ativismo ambiental constante e pelo esforço na diminuição nas emissões de dióxido de carbono – a partir de 2015, a emissão de CO2 resultante da digressão passou a ser monitorizada.

Voltando à política, a banda esteve envolvida no álbum triplo Free Tibet, coligido pelos Beastie Boys, de repúdio à opressão da China sobre o Tibete. Que haveria de resultar num festival solidário com a presença dos Pearl Jam, entre outras bandas. 

Em 1999, todos os proveitos do single isolado ‘Last Kiss’, ainda hoje uma das canções mais celebradas, foi entregue a refugiados e sem-abrigo da guerra do Kosovo. E em 2001, participaram na coletânea A Tribute To Heroes, em prol das vítimas do terrorismo nos EUA. 

O guitarrista Mike McCready sofre da Doença de Crohn, ainda sem cura, e a banda está lá no apoio à Crohn’s & Colitis Foundation – CCFA. E frequentemente, doam rendimentos de concertos ou gravações a instituições de cariz social como a Cruz Vermelha, a Jazz Foundation of America e a Habitat for Humanity. 

Hoje à noite, há um concerto evocativo mas tudo pode ser o que ainda está por fazer.