Mãe coragem e os seus filhos

Em 1918 e 1919, uma seleção da Croácia chegou a disputar jogos sob essa designação. Depois, até à separação, em 1992, os jogadores croatas jogavam pela Jugoslávia. 

MOSCOVO – As coisas são como são e o melhor é olhar para elas e tirar o devido proveito. No ano do único título mundial da Inglaterra (1966) a Croácia ainda não existia. Isto é, existir existia, mas não como agora, nação livre e independente. Estava englobada na República Federal da Jugoslávia, sonho e obra de Josip Tito, juntamente com a Sérvia, o Montenegro, a Eslovénia, a Macedónia  e a Bósnia/Herzegovina. Uma espécie de ‘Mãe Coragem e os Seus Filhos’, como escreveria Bertold Brecht.

O futebol surgiu na Croácia bem cedo, pelos idos de 1873, devido à vontade de vários expatriados ingleses que trabalhavam em projetos industriais nas zonas de Rijeka e Zupanja. Seis anos depois surgiam os primeiros clubes e o jogo já tinha ordem: oficializaram-se as regras escritas e, com elas, o mínimo de organização necessária para começar a disputa de provas.

Nesse tempo, a Jugoslávia era um reino. De início, Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos. Mas já se falava à boca cheia de Jugoslávia: literalmente, Terra dos Eslavos do sul. O Império Austro-Húngaro dispersara-se. Com o advento da IIGrande Guerra e com a libertação do jugo nazi pelos partisans de Josip Broz Tito, a Jugoslávia transitaria para um regime republicano. 

E a Croácia era uma das filhas rebeldes da Jugoslávia. Desde o início do Século XX que se bateu por ter uma federação independente, equiparada à federação jugoslava. Há registos de uma seleção croata se ter apresentado em Praga para defrontar o Slávia em 1907. E, nos anos de 1918 e 1919, o treinador Hugo Kinert, antigo médio-centro de renome da região, conduziu novamente uma seleção croata e meia-dúzia de jogos particulares.

Duro começo

A primeira grande competição disputada pela seleção da Jugoslávia foi o torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 1920, em Antuérpia. Uma derrota bruta contra a Checoslováquia (0-7) marcou a sua estreia. Nada que os fizesse baixar a crista do entusiasmo.

Dez anos mais tarde, a Jugoslávia era uma das seleções que participaram no primeiro Campeonato do Mundo de Futebol, no Uruguai. E as coisas compuseram-se: vitória sobre o Brasil (2-1) e sobre a Bolívia (4-0) levaram-nos às meias-finais perdidas para os uruguaios (1-6). Como não havia jogo para definir 3.º e 4.º classificados, repartiu com os Estados Unidos o último lugar do pódio. Infelizmente, os jogadores croatas não fizeram parte dessa aventura: contrariada pelo facto de a sede da federação ter sido retirada de Zagreb e transferida para Belgrado, a associação de futebol da Croácia proibiu os seus filiados de viajarem para a América do Sul.

A qualidade do jogo praticada pelos jugoslavos era indubitável. Sofrera, desde sempre, a influência do que se ia sucedendo na Hungria, na Áustria e na Checoslováquia, países em que o futebol teve um enorme desenvolvimento no período de entre guerras e, até, pós IIGrande Guerra. Não por acaso, tanto Checoslováquia como Hungria foram finalistas dos dois Mundiais seguintes, 1934 e 1938, perdendo ambas para a Itália.

Desta forma, seria inevitável voltar a encontrar os jugoslavos nos grandes momentos do futebol. E, assim sendo, as finais dos torneios olímpicos de futebol de 1948 e 1952 estão aí para o comprovar: a primeira, perdida em Londres para a Suécia, meteu pelo meio um triunfo histórico sobre a seleção da Grã Bretanha (3-1); a segunda, perdida em Helsínquia para a fantástica Hungria de Puskás, Hidgkuti, Kócsis e Czibór, deixou um rasto de admiração por toda a Europa tal a qualidade do futebol praticado pelos jugoslavos. Nomes como BrankoZebec, Vujadin Boskov (ambos futuros grandes técnicos) ou Branislav Stankovic, iam ficando na memória coletiva. Uma máquina de golos: 10-1 à Índia; 5-5 frente à URSS (depois de terem estado com 5-0 de vantagem) seguidos de 3-1 no desempate; 5-3 à Dinamarca; 3-1 à Alemanha. Impressionante! Mesmo descontando a derrota no jogo decisivo (0-2, golos de Puskás e Kocsis).
Em 1960, finalmente a medalha de ouro. Maravic, Durkovic, Perusic, Tomislav Knez, Silvester Takac: a base de um conjunto que venceu a Dinamarca, na final, por 3-1. Seria o grande título da história do futebol da Jugoslávia.

Europeus e mundiais

A Jugoslávia participou em quatro fases finais de Campeonatos da Europa, sendo a última em  1984, onde também Portugal esteve presente.  Duas finais: em 1960, Paris, na primeira edição, afastando a França, equipa da casa, nas meias-finais por 5-4, e perdendo para a URSS de Yashin, no Parque dos Príncipes, após prolongamento; em 1964, no Olímpico de Roma, frente à Itália (0-2) mas só no jogo de desempate.

Torna-se numa das grandes seleções da Europa. Oito presenças em fases finais de Campeonatos do Mundo e duas vezes presente entre os quatro primeiros. Já vimos o que se passou em 1930. Em 1962, noChile, na fase de grupos, arrancou com uma derrota (0-2 com a URSS) mas as duas vitórias seguintes – 3-1 ao Uruguai, 5-0 à Colômbia – garantiram o apuramento. Nos quartos-de-final afastou a RFA (1-0) para perder a meia-final (1-3, Checoslováquia) e o jogo do 3.º e 4º. lugares (0-1, Chile). Era o tempo de Melic, Jerkovic e do enorme Sekularac.

O Mundial de 1990 seria o último. Eliminada pela Argentina nos penáltis mesmo com Ivkovic, guarda-redes do Sporting, a defender um de Maradona. Não tardaria que gente como Suker, Prosinecki, Jarni, Savicevic, Pancev ou Safet Susic, passasse a envergar as camisolas dos seus novos países. Pode especular-se sobre o que seria hoje uma Jugoslávia juntando os melhores jogadores da Croácia, da Sérvia ou da Bosnia-Hergovina. Mas seria apenas especular. Quem vai entrar em campo, amanhã, é simplesmente a Croácia, um dos mais pequenos países da Europa mas que possui um futebol enorme. Ainda bem para todos nós.