A história trágica das bruxas de Aljezur

Já ouviu falar no Baile do Vidigal? O último foi em 1929 e desde essa altura que ninguém quer visitar esta povoação algarvia

Numa altura de festas e bailaricos um pouco por todo o país, recordamos um baile diferente que terminou em tragédia. A história das bruxas de Aljezur não caiu no esquecimento e, em 2016,  quando foram encontrados os relatórios das autoridades a explicar o que tinha acontecido, voltou a estar nas bocas do mundo.

O lugar do Vidigal, no concelho de Aljezur, é um hoje um local abandonado e, dizem os populares, amaldiçoado para sempre. Era palco de vários rituais de bruxaria, aos quais a comunidade chamava ‘bailes’ – não havia música, mas as pessoas dançavam dia e noite sob o efeito de uma bebida alucinogénica.

Em 1929, tudo correu mal. Custódia Tomé, na altura com quatro anos, viu o pai matar a mãe à machadada, no sítio de Monte Velho, uma zona isolada junto ao Vidigal. Estava escondida debaixo da cama quando tudo aconteceu. Antes de morrer, decidiu contar à sua filha tudo o que se tinha passado naquele dia de primavera: “Eu já tinha ouvido histórias sobre os meus avós, mas nada como o que ela me descreveu. Não posso saber quanto disto é real, mas sei que ela acreditava em tudo o que dizia. A única coisa certa é que começou tudo no baile do Vidigal. E acabou em tragédia”, contou Manuel Fragoso, de 64 anos, ao Notícias Magazine.

De acordo com os documentos descobertos em 2016 – que se encontram na posse da Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur e foram citados, naquela altura, pelo Notícias Magazine – esta história começou umas semanas antes do desfecho trágico. Em abril de 1929, o autarca Basílio Nobre Marreiros enviou uma carta ao governador civil de Faro a pedir reforço policial, face ao crescente número de atos de feitiçaria detetados naquela zona.

Desta ação, resultaram cinco detenções – entre eles estavam Luís Tomé, ou Luís Penico, a sua mulher, Adriana Marreiros, e a sogra, Maria Marreiros. Estiveram dois dias presos e acabaram por regressar ao Monte Velho. Semanas depois, entre os dias 15 e 17 de maio, Luís foi convidado para participar num novo ‘baile’ apenas com o seu lado da família. No dia 18 de maio, quando regressou ao Monte Velho matou Adriana à machadada, acreditando que esta estava possuída pelo diabo. Adriana estava grávida de quatro meses. A sogra tentou socorrer a filha, mas o genro espancou-a até à morte.

Percebendo que Custódia tinha assistido a tudo, o pai pediu-lhe que saísse debaixo da cama, prometendo não lhe tocar. “O que a minha mãe contava era que o pai encheu um copo com o sangue das duas mulheres e, com um dedo, lhe desenhou as cinco chagas de Cristo no peito, dizendo que agora estava protegida. E a seguir bebeu o cálice inteiro. Depois é que vieram as autoridades detê-lo”, contou Manuela Fragoso ao Notícias Magazine, que explica que desta parte da história não existem quaisquer provas nos relatórios encontrados.

No entanto, os documentos encontrados dão algumas luzes sobre o que aconteceu depois. Depois de ter cometido o crime, Luís levou a filha para casa dos padrinhos. “Pediu-lhes que tomassem conta da pequena e sentou se na eira, à espera da polícia”, refere um telegrama enviado pelo administrador do concelho ao governador civil, citado pelo mesmo site.

Vários casos de loucura O caso tomou grandes proporções – membros da Polícia de Investigação Criminal, antecessor da Judiciária, estiveram no local a investigar. O semanário A Voz escreveu um artigo chamado ‘As Bruxas de Aljezur’, contava vários pormenores do homicídio: “Para que não tenhamos de assistir amanhã a façanhas ainda mais funestas, as autoridades não deixarão certamente, em nome do decoro público, passar impunes estes crimes sociais”, escrevia o jornal.

Luís foi detido e transferido para a prisão de Lagos. Uma semana depois, enforcou-se com os lençóis.

Os relatórios realizados na altura mostram na origem deste estado psicótico estava uma bebida desconhecida: “Tinham tomado um líquido qualquer e, após a ingestão, sentiram todos uma violentíssima impressão no cérebro (…) Não querem os sobreviventes dos horríveis acontecimentos declarar quem o preparou, com o receio de que a bruxa possa prejudicá‑los com sortilégios. Mas pela confissão de Luís Tomé sabemos ter sido Maria Inácia a preparar a seiva”.

Vários membros da comunidade participavam nestes bailes e, segundo populares, muitas pessoas morreram situações bizarras – o vizinho da família de Luís Tomé terá mesmo enlouquecido. O irmão de Luís, Manuel, foi internado no Manicómio Bombarda, em Lisboa, e, um ano depois, foi transferido para o Manicómio Conde de Ferreira, no Porto, onde acabou por morrer. A irmã mais nova do homicida, Augusta, também esteve uns meses internada neste manicómio, mas viveu louca até ao fim dos seus dias.

Quem era a bruxa? Dias após a detenção de Luís, as autoridades apreenderam todas as cópias dos ‘Livros de São Cipriano’ e conseguiram identificar a mulher que presidiu ao trágico baile do Vidigal: “Trata se de uma Maria Inácia Costa, residente em Bensafrim, concelho de Lagos, que há anos exerce o mister de “mulher de virtude”. É uma criatura perigosíssima, a quem o Luís Tomé, conhecido como Luís Penico, consultou várias vezes. Foi ela que o aconselhou a reunir toda a família, alegando que a mãe deixara de cumprir uma promessa e agora era necessário desfazer o enguiço”, refere o relatório do agente Miguens, da Polícia de Investigação Criminal, citado pelo Notícias Magazine.

Em Bensafrim, toda a gente era analfabeta, Maria Inácia do Carmo era considerada uma mulher de virtude, pois sabia ler. Contam os populares que era uma mulher viúva, pobre e com três filhos, que recorria aos rituais para ganhar algum dinheiro para sustentar a família.

A mulher foi detida após o baile fatídico, mas, em 1930, uma delegação de Bensafrim dirigiu-se à autarquia a pedir clemência pela feiticeira. “O caso haveria de se resolver com a promessa de fim de conjuros e cerimoniais, mas nenhuma pena de prisão – até porque, como o administrador do concelho refere num ofício, a única voz que tinha acusado Maria Inácia era a de Luís Penico, que agora estava morto”, explica o Notícias Magazine.

Quanto a Custódia, foi criada pelos padrinhos, sem qualquer compaixão por parte do povo – a população do Vidigal via-a como o fruto de uma relação maldita. Só conseguiu encontrar a felicidade com o casamento e o nascimento dos três filhos.