Fogo dominado 27 mil hectares depois

Incêndio que deflagrou no dia 10 foi dado como dominado uma semana depois. No total foram consumidos cerca de 27 mil hectares e não se registaram vítimas mortais.

Depois de 27 mil hectares ardidos, 42 feridos – um em estado grave – e 299 pessoas retiradas de suas casas – das quais só três ainda não regressaram a casa -, o incêndio de Monchique finalmente começou a dar tréguas aos bombeiros. 

Após uma semana ativo, o fogo foi finalmente dado como dominado. A confirmação foi dada ontem de manhã, em conferência de imprensa, pela comandante operacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Patrícia Gaspar. «Neste momento estão reunidas as condições para se poder dizer que o incêndio não pode sair da zona onde está», indicou.

Patrícia Gaspar sublinhou ainda que esta não é uma altura para «cruzar os braços» porque, apesar de as chamas terem sido dadas como dominadas, ainda não foram extintas, sendo necessário «fazer consolidação» e dar resposta a «reativações que possam surgir».

Para isso, «o grosso dos operacionais vai manter-se no terreno», continuando vigilante, explicou Patrícia Gaspar. Os bombeiros serão substituídos de forma gradual pelo exército, que irá ajudar na fase de rescaldo: «Há pelotões destacados, seis já no terreno e quatro a caminho, que vão permitir render as forças dos bombeiros», referiu.

Na quinta-feira, as autoridades competentes já tinham indicado que a situação parecia estar a evoluir positivamente, ainda que as chamas não tivessem sido dadas como controladas. No balanço do dia, Patrícia Gaspar afirmou que apesar das boas notícias, tinham acontecido várias reativações durante esse dia, mesmo «em áreas que não era muito expectável». No entanto, e no geral, o incêndio estava «globalmente estabilizado». 

A cautela do final da semana contrastou com a ligeireza de segunda-feira, quando a Proteção Civil referiu que o fogo estava «dominado» em «95% do perímetro» e se pensou que o incêndio estaria a ceder e já não havia perigo. Só que as chamas acabaram por escapar ao controlo dos bombeiros devido aos ventos fortes que se faziam sentir no concelho e que provocaram vários reacendimentos.

 

Balanço do incêndio 

Até ao final da semana passada, Portugal registava uma área ardida muito reduzida – 1327 hectares. O incêndio de Monchique veio alterar o panorama, ao tornar-se o maior incêndio sem registo de vítimas mortais do ano em toda a Europa. De acordo com os dados do Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais (EFFIS), as chamas que deflagraram em Monchique consumiram cerca de 27 mil hectares.

Mesmo assim, os números indicam que este incêndio de Monchique está longe de bater os números registados no verão passado nos fogos de Pedrógão Grande e de 15 de outubro. Este último aparece no topo da lista de 2017, por ter queimado 43.191 hectares, nos concelhos de Seia e Sandomil,  Guarda.

Apesar não se terem registado vítimas mortais, o incêndio de Monchique colocou Portugal no topo da lista europeia relativamente ao total de área ardida, superando o Reino Unido (17.682 hectares), Suécia (21.448 hectares) e Grécia (9681 hectares) que este ano também enfrentaram fogos violentos.

Segundo o último balanço da Proteção Civil, o número de feridos provocados pelas chamas de Monchique aumentou de 39 para 42 – dos quais 41 destes são ligeiros, com apenas um considerado grave. Quanto ao número de desalojados, no total foram retiradas 299 pessoas, faltando ontem, ao fecho desta edição, regressar a casa apenas três. A Proteção Civil referiu que estava a ser feito um grande esforço para que essas pessoas pudessem regressar às suas casas ainda durante o dia de ontem.

Rui André, presidente da Câmara de Monchique, em declarações à Lusa, falou sobre os prejuízos que o incêndio provocou, calculando que a destruição pode rondar os 10 milhões de euros.

 

Reações

Na quinta-feira, Rosa Palma, presidente da Câmara Municipal de Silves, criticou a atuação da Proteção Civil. A autarca disse à Lusa que «houve falhas de comunicação entre o posto central e as forças locais», que a não existirem «poderiam ter melhorado a situação».

Em declarações à TSF,  a presidente da câmara afirmou que deveria ser aberta uma investigação para perceber o que se passou.

Depois das duras críticas de Rosa Palma, ontem o primeiro-ministro anunciou que o Ministério da Administração Interna (MAI) vai abrir um inquérito para investigar a forma como foi feito o combate ao incêndio (ver páginas 14 e 15).

Ainda na quinta-feira, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve, Jorge Botelho, elogiou a atuação da Proteção Civil: «O sistema de Proteção Civil – e nós reunimo-nos com todos os atores – verdadeiramente funcionou no apoio às populações, aos desalojados, às pessoas que tiveram de sair de casa e de ser acolhidos nos sítios de recolha e de encontro».

Quanto ao apoio social e psicológico, o presidente da comunidade intermunicipal valorizou o trabalho de todos os envolvidos, sublinhando que todos os afetados pelos incêndios receberam o «devido apoio para dormir, o devido apoio para tratar da higiene e, obviamente para se alimentarem». 

Perante a dificuldade de retirar as pessoas de suas casas, o responsável disse, apesar de perceber que as pessoas estavam contrariadas em deixar para trás os seus bens, após verem «a situação resolvida» reconheceram que a decisão de serem retirados esteve correta.

 

Proteção Civil não cumpriu regras impostas depois de Pedrógão

Na quinta-feira o jornal Público noticiou que as regras impostas depois da tragédia de Pedrógão Grande – que ditam que num incêndio de grandes dimensões a coordenação deve ser assumida, após 48 horas, pelo comando nacional da Proteção Civil – não foram cumpridas pelas autoridades. Segundo o mesmo jornal, o comando nacional deveria ter assumido a liderança na madrugada de sábado, para que as regras fossem cumpridas. Isto porque foi nessa madrugada que foram mobilizados para o terreno mais de 648 operacionais. 

As operações estavam a ser coordenadas por Vítor Vaz Pinto, que em 2012 – altura em que ocupava o cargo de comandante operacional da Proteção Civil –  assumiu um erro de avaliação no combate aos incêndios florestais no Algarve. Durante quatro dias, as chamas que deflagraram na serra do Caldeirão queimaram cerca de 20 mil hectares. Vaz Pinto foi obrigado a abandonar o cargo. O cenário voltou a repetir-se na terça-feira: após vários dias de meios no terreno sem conseguirem travar as chamas, a coordenação acabou por ser entregue ao comando nacional.

A Proteção Civil, em resposta à notícia veiculada pelo Público, disse, em comunicado, que o sistema de gestão de operações considerado durante o incêndio de Monchique é «um instrumento de natureza flexível», que se desenvolve de forma evolutiva de maneira a «possibilitar ao Comandante Operacional Nacional, a todo o momento, em função da avaliação das reais e concretas condições em que decorrem as operações de proteção civil no terreno» decidir se assume ou não controlo.

O documento sublinha ainda que a decisão de mudar a liderança das operações resulta de um conjunto de fatores: o número de meios que se encontram no local  e a necessidade de controlar e coordenar todas as partes envolvidas, através de um grau de comando mais alto. «Nesse sentido, a mudança do comando processou-se de acordo com os princípios enunciados no sistema de gestão de operações e em função da apreciação da evolução da operação que foi feita a cada momento».

 

Helicópteros, aviões e água salgada 

Três aviões Canadair, que estavam a ajudar no combate às chamas de Monchique, abasteceram as suas reservas com água salgada – perto da Praia da Rocha, em Portimão. O que levantou a questão: será que a água salgada é apropriada para apagar incêndios? Segundo Germán Brito, um químico industrial da Universidade Católica de Valparaíso, citado pelo site espanhol Ahora Noticias, este não é o método mais adequado, porque o sal  pode oxidar e provocar danos no metal do avião que transporta a água. Além disso, o pH da água salgada pode alterar o solo, matar as plantas e impedir que estas se desenvolvam normalmente. 

Contudo, em 2006, um estudo elaborado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil revelou que a utilização de água salgada para combater incêndios não causa problemas preocupantes no solo e na floresta. Segundo o documento, na pior das hipóteses, poderiam ocorrer a morte de algumas plantas, mas que a floresta portuguesa estaria bem adaptada a essas situações.

Quanto aos helicópteros, a Proteção Civil admitiu na quarta-feira que estes não utilizam produtos químicos – os chamados espumíferos – para retardar as chamas. As críticas partiram dos bombeiros  que denunciaram a falta destes produtos químicos nos helicópteros – que são os primeiros meios aéreos a atuar no teatro de operações. 

Como resposta, a autoridade explicou que os 40 helicópteros, que fizeram um ataque inicial às chamas, não usaram o espumífero porque a sua capacidade para transportar «elementos operacionais a bordo» fica reduzida. Mas deixou a ressalva de que os aviões «utilizam espumífero» e que este «faz parte das obrigações contratuais, sendo fornecido pelas empresas contratadas que operam estes aviões».