EUA. Igreja encobriu abusos sexuais de 300 bispos e padres

Um relatório de um grande juri da Pensilvânia provou que responsáveis da Igreja abusaram sexualmente mais de mil crianças durante 70 anos

Bispos e padres responsáveis pelas dioceses da Igreja Católica no estado norte-americano da Pensilvânia encobriram, durante 70 anos, abusos sexuais a mais de mil vítimas por mais de 300 padres. A denúncia resultou de uma investigação de dois anos por um grande júri, composto por 23 pessoas, e está a abalar os alicerces da instituição nos Estados Unidos. 

“Os padres estavam a violar pequenos rapazes e raparigas e os homens de Deus, responsáveis por eles, não fizeram nada; esconderam tudo. Durante décadas”, pode ler-se no relatório da investigação. “Apesar de alguma reforma institucional, os líderes individuais da Igreja escaparam à responsabilização pública”, continua o documento. 

O relatório refere ainda alguns casos denunciados pelas vítimas ao grande júri. Uma das jovens vítimas contou que um padre a violou na maca de um hospital depois de ter sido operada às amígdalas. Ou o de um padre que amarrou uma rapariga e a chicoteou num “jogo” sado; e o de um padre que engravidou uma jovem e a obrigou a abortar.

“Eles [bispos e padres] protegeram a instituição acima de tudo o resto”, disse o procurador-geral Josh Shapiro, rodeado por mais de 20 vítimas e suas famílias, em conferência de imprensa. “Como o grande júri descobriu, a Igreja demonstrou um completo desdém pelas suas vítimas”, acrescentou, referindo ainda que em alguns casos as ligações de encobrimento se “estendiam até ao topo da hierarquia do Vaticano”. O relatório acusa ainda os responsáveis da Igreja de terem seguido “um manual para encobrirem a verdade”, usando expressões como “contacto inapropriado” sempre que se referiam a “violações”.

Em reação à divulgação do relatório, os bispos católicos da Pensilvânia pediram aos crentes para rezarem pela instituição e pelas vítimas dos abusos sexuais. Mas houve quem viesse a público negar que tivesse havido qualquer encobrimento por parte da instituição. “Não houve qualquer encobrimento”, disse o bispo Zubik, também numa conferência de imprensa. “Acho ser importante frisá-lo. Ao longo dos últimos trinta anos temos sido transparentes sobre tudo o que de facto tem acontecido”, garantiu, recusando ter havido abusos sexuais.

Opinião não partilhada por uma das vítimas que teve a coragem de denunciar os abusos que sofreu em criança. “Nos últimos cinco anos fui ter com dois bispos com denuncias de abusos . Ignoraram e desvalorizaram-nas”, disse o hoje reverendo James Faluszcazk. “Foi precisamente a gestão dos segredos que deu cobertura aos predadores sexuais”, acrescentou. 

No entanto, e apesar das denúncias serem baseadas em provas, prevê-se que o relatório produza poucas acusações criminais por muitos dos crimes já terem prescrito. No decorrer dos dois anos das investigações, duas dioceses, a de Greenburg e de Harrisburg, tentaram anular a investigação, mas, confrontadas com os primeiros indícios de descoberta de abusos, mudaram a postura. 

Nem todos os familiares estão satisfeitos com o pós-divulgação do relatório. “É bom que o público o saiba, mas onde está a justiça? Que vamos fazer em relação a isto? Porque não estão estas pessoas na prisão?”, questionou Frances Samber, cujo irmão foi sexualmente abusado e se suicidou em 2010. “Se isto não despoletar um sério debate sobre a eliminação do estatuto de prescrição, então há algo de errado com os meus concidadãos da Pensilvânia”, disse, revoltado, Shaun Dougherty, hoje com 48 anos e que foi abusado por três anos a partir dos dez.

Se o número de padres referidos no relatório ascendem às centenas, o grande júri acredita que não foi capaz de os identificar a todos. “Achamos que não os apanhámos a todos”, lê-se no documento. “Estamos certos que muitas das vítimas nunca se chegaram à frente e que as dioceses não criaram relatórios escritos sempre que ouviam algo sobre abusos”, continua.