Ponte Morandi. Afinal não era história da Carochinha

O Movimento 5 Estrelas, que está agora no governo, disse em 2014 que ‘o colapso da ponte Morandi é um conto de fadas’ e bateu-se contra a construção de alternativa que desviasse o tráfico.

Ponte Morandi. Afinal não era história da Carochinha

Apontar o dedo à procura de culpados é um exercício que sempre acontece depois de uma tragédia. Com o desmoronamento do viaduto Polvecere, conhecido como ponte Morandi, em Génova, o Governo italiano foi lesto a acusar a empresa concessionária de falhas graves na manutenção que levaram a que acontecesse o que não poderia acontecer num país europeu do século XXI: a queda de uma ponte e a morte de pelo menos 39 pessoas em consequência.

Só que, aparentemente, quem foi rápido a incriminar olvidou culpas próprias no desenrolar dos acontecimentos. O Movimento 5 Estrelas (M5S, na sigla em italiano), o partido mais importante da coligação governamental italiana, bateu-se contra a construção de uma alternativa à ponte Morandi e descartou a possibilidade de que a obra, construída entre 1963 e 1967, estivesse mesmo em perigo.

«O desmoronamento da ponte Morandi é um conto de fadas», escrevia a 8 de abril de 2014 o Comité Não Gronda no blog do M5S. «Ao iminente colapso» da estrutura de que falava o ex-presidente da província, contrapunha o movimento com o relatório final sobre o debate público de 2009 apresentado pela Autostrade per l’Italia, a concessionária: ‘a ponte Morandi pode manter-se em pé por mais cem anos’.» Isto com «uma manutenção ordinária com custos standard», algo que é contrariado pela 

Em 2009, havia um plano para a demolição controlada do viaduto Polcevera. Demoraria oito a 12 meses, respeitando uma ordem inversa à da construção, o que permitiria não demolir nenhum dos edifícios que estão por baixo ou nas suas imediações (algo que agora terá de ser feito). O documento apresentado a debate público (e que propunha a construção de uma variante 150 metros a norte) falava no impacto profundo do aumento de tráfego diário na ponte Morandi, que em 2009 já se cifrava em 25,5 milhões de veículos por ano e que se previa vir a aumentar 30% nos 30 anos seguintes.

Em 2011, outro relatório da Austrade, citado pelo Corriere della Sera,  falava na pressão do tráfego na ponte, com «filas diárias de veículos a motor»  que «causam degradação intensa da estrutura do viaduto ‘Morandi’, sujeito a um considerável stress». Obrigando a que, já em 2011, a empresa concessionária referisse que o viaduto «era sujeito a manutenção contínua há anos».

Alertas que, no entanto, acabaram por ser guardados na gaveta por serem considerados alarmistas. A pressão pública de movimentos cívicos e políticos, como o 5 Estrelas, levou a melhor. Em outubro de 2014, Beppe Grillo, o fundador do M5S surge num comício multitudinário a perorar contra o projeto faraónico de construir uma alternativa ao viaduto Morandi e chega a pedir ao exército que ajude a parar a obrada Gronda, a alternativa ao viaduto.

Mas não se calaram as sirenes de aviso em relação ao estado degradado da estrutura dos anos 60. A 28 de abril de 2016, o senador Maurizio Rossi, dos liberais da Escolha Cívica, fazia uma pergunta ao Senado italiano sobre o estado das ligações viárias em Génova, onde se referia ao estado do viaduto Polcevera, também denominada como ponte Morandi, que «recentemente havia sido objeto de um preocupante cedência das juntas que obrigaram a uma obra de manutenção extraordinária sem a qual o risco de encerramento era real».

Dois anos depois, a ponte caiu mesmo esta terça-feira, 38 pessoas morreram, dez a 20 são consideradas desaparecidas e os trabalhos das equipas de regaste prosseguem, embora as hipóteses de encontrar mais sobreviventes diminuam a cada hora que passa. Tendência inversamente proporcional ao exercício de atribuição de culpas que o Governo tem vindo a distribuir amiúde, de Bruxelas (por limitar os fundos para infraestruturas) à empresa concessionária das autoestradas.

A Autostrade foi garantindo esta semana que os processos de manutenção da ponte estavam corretos, mas isso não impediu que vários ministros tivessem anunciado a imposição de multas e a promessa de revogar a licença de concessão. A empresa pertence na totalidade ao grupo Atlantia, cuja maioria das ações pertence à família Benetton.

«Pedaços inteiros de autoestrada não podem cair desta maneira e as pessoas não podem morrer desta maneira em 2018. Quero voltar a sublinhar que os responsáveis serão encontrados», disse o ministro do Interior, Matteo Salvini, no local, onde o Governo realizou um conselho de ministros extraordinário e declarou o estado de emergência na região durante um ano.