Tal como prometido, aqui estou para estabelecer um contacto semanal com os Leitores do SOL, abordando temas de natureza militar, político-militar ou política.
Serão artigos de crítica ou louvor, despretensiosos e ligeiros, mas rigorosos e objetivos. Terão um título comum – Em Nome da Verdade – e um subtítulo que varia, conforme o tema abordado.
António Carlos Morais Silva (ACMS), coronel de Artilharia na reforma, militar de excelente gabarito técnico-profissional, extraordinário pedagogo, combatente qualificado e comandante e líder de inquestionável competência e provas dadas nas mais diversas situações – sem que nisso tenha qualquer interesse pessoal – em prol da justiça, da equidade e do prestígio da instituição militar, iniciou uma justa luta contra a iniquidade, o método e o processo de uma pretensa reposição de carreiras militares, introduzida pela célebre Lei 43/99 de 11 de junho, que passou a designar como ‘processo dos garimpeiros’.
A lei mencionada foi aprovada pela Assembleia da República e promulgada por Jorge Sampaio após iniciativa do Governo – de triste memória – de António Guterres, pela ‘mão’ do então ministro da Defesa Veiga Simão.
Vale a pena ler a entrevista que Morais Silva deu ao jornalista Orlando Raimundo, publicada na edição de 12 de julho de 2003 do jornal Expresso, bem como o documento que elaborou em 12 de agosto de 2013 (‘Apreciação do Relatório de um Garimpeiro’, que poderei enviar a quem estiver interessado), que ajudam a conhecer de forma inequívoca, clara e objetiva, a génese e o despudorado aproveitamento da legislação referida.
Em todo esse processo, o Exército não soube, não pôde ou não quis opor-se à enorme iniquidade e ‘cultura da batota’. Limitou-se a assistir, com total e gritante impunidade, a um ‘fartar vilanagem’, na que pode ser designada como a mais indigna farsa da segunda metade do século XX (a outra tinha sido conduzida pela Comissão de Recompensas após o final da Primeira Guerra Mundial).
Mas, afinal, do que se trata? Abreviando, a lei em apreço abriu aos militares que se consideravam ‘prejudicados’ pelos acontecimentos e sequências do 25 de abril de 1974 a possibilidade de requererem a revisão das suas carreiras.
Mais uma vez, perante um objetivo pretensamente justo, o processo e o método foram, no mínimo, ultrajantes, pois a tudo se assistiu.
A coberto de alguns (poucos) merecedores, logo se juntou uma legião de oportunistas, cobardes, mentirosos e corruptos – estou a medir as palavras – que entraram no ‘comboio da felicidade’ e desfrutam hoje de pensões (em muitos casos acumuladas com outras entretanto ‘conquistadas’) como se tivessem permanecido sempre na vida militar.
Suprema indignidade. Para além dos próprios que, desde logo e retroativamente, beneficiaram de significativa ‘massa’ monetária, em contraponto as viúvas dos militares que ficaram a servir ao longo de todas as suas vidas profissionais têm hoje pensões indexadas ao posto com que os maridos passaram à reforma, pelo que são substancialmente mais baixas do que aquelas que passaram a ser auferidas pelos ‘garimpeiros’ e suas viúvas, pois estes desfrutam de pensões atualizadas, sendo a esmagadora maioria no posto de coronel.
Não é assim que a sociedade deve distinguir os seus servidores.
Não é moral nem socialmente justo.
Não é sequer prestigiante para a instituição militar.
Mas como se já não bastasse, eis que o Decreto 213/XII/AR, proposto pelo arauto da moral e da ética que dá pelo nome de Bloco de Esquerda, promulgado pelo Presidente da República em 4 de julho – e que deveria ter sido regulamentado até 4 de agosto p.p. – repõe a possibilidade de militares ou ex-militares requererem a integração nas suas funções, ao abrigo do Decreto-Lei 173/74 de 26 de abril (o primeiro dia após a revolução).
Com todos os diabos do mundo!
Quem serão estes cidadãos que, passados 44 anos, ainda não foram reparados?
Onde estavam?
Por onde andaram?
Alguns já se sabe quem são…
Serão seis ex-alunos da Academia Militar que em 1970, para escaparem ‘ao cacimbo de África’, fugiram para a tranquila e progressista Suécia – os então ‘célebres tenentes da Suécia’ .
Será igualmente um ex-capitão da Força Aérea que, no início da década de 70 do século passado, desertou e fugiu para a Venezuela, razão pela qual este ramo das Forças Armadas o considerou desertor e o expulsou das suas fileiras.
Após anos de ‘amnésia’ voluntária, vêm agora agarrar a ‘teta do orçamento’!
Antevê-se, portanto, nova vaga de oportunistas, mentirosos, cobardes, corruptos e… fugitivos.
É este, hoje, o nosso grito de revolta.
Chega de suportarmos oportunistas e políticos que lhes dão cobertura, através de leis pretensamente justas e reparadoras, mas que – mais uma vez – apenas fomentam o ‘fartar vilanagem’.
Como sempre, com custos pecuniários para os contribuintes e com efeitos diretos nos cidadãos, que vão deixando de acreditar no Estado de Direito Democrático.
P.S. – Notícias ‘antecipadas’ sobre o decreto regulamentar que deveria ter sido publicado até 4 de agosto p.p. dão conta de intenções que, desta vez, serão diferentes.
Tal, contudo, não elimina a deturpação de princípios e o aproveitamento casuístico e imoral da bondade republicana.
*Major-General Reformado
(1) Sugere-se a leitura do livro As voltas do Passado: a Guerra Colonial e as Lutas de Libertação, de Miguel Cardina e Bruno Martins (páginas 198 a 204), Edições Tinta da China.