Firmino Miguel: o último ‘príncipe’

Foi extraordinário aluno, exemplar camarada, destemido combatente, excelente líder e comandante, oficial do Estado-Maior de elevado gabarito, e decisor político de fino recorte.

Mário Firmino Miguel nasceu a 11 de março de 1932 e faleceu a 9 de fevereiro de 1991.

Conheci razoavelmente bem este ilustre cidadão e militar. Posso dizer, sem qualquer margem de dúvida, que foi o general mais completo que tive a honra de conhecer.

‘Florentino’ q.b., humano, próximo, estudioso, reflexivo, decidido, corajoso, disponível, atento e atencioso, Firmino Miguel praticou no mais elevado grau as virtudes militares e demonstrou as qualidades que devem exornar o perfil do militar.

Foi quase tudo na sua não muito longa vida militar, pois faleceu aos 58 anos, quando era chefe do Estado-Maior do Exército (CEME).

 

Foi extraordinário aluno, exemplar camarada, destemido combatente, excelente líder e comandante, oficial do Estado-Maior de elevado gabarito, e decisor político de fino recorte.

Não fez tudo bem, nem tal seria possível, mas esteve presente e participou, com notada e clarividente presença, em todos os acontecimentos relevantes que ocorreram na sua vida de cidadão e militar.

Dele e da sua atividade guardo algumas inesquecíveis recordações.

Num 5 de outubro, junto à estátua de António José de Almeida, por ocasião das comemorações da implantação da República, como ajudante de campo do ministro da Defesa, entreguei a Firmino Miguel uma nota (confidencial/pessoal) na qual o ministro verberava que ele, sendo chefe do Estado Maior, tivesse ido a Espanha sem seu conhecimento.

 

Corria então uma ‘marcação de território’ entre o recém-nomeado ministro (jovem ministro, de 39 anos, que não tinha feito o serviço militar) e os experientes chefes militares). 

Alguns dias mais tarde, numa das tradicionais reuniões de despacho de sexta-feira à tarde, novo diferendo com o ministro sobre o Património do Exército vs. Património do Estado.

Jamais esquecerei esta longa tarde de despacho e o que dela resultou. Ao descer no elevador com Firmino Miguel, este disse-me: «Chaves, o ministro é um tipo honesto e lúcido. A partir de hoje vou ajudá-lo, pois acredito nele».

Infelizmente, dois dias depois faleceria num acidente de viação (nunca esclarecido) ocorrido na fatídica ‘curva dos três pinheiros’ da Marginal Cascais-Lisboa. 

 

Antes de ser CEME, como ajudante general do Exército (hoje comandante do pessoal), Firmino Miguel escreveu uma carta ao secretário de Estado de Eurico de Melo propondo o método e o processo para a resolução do empolamento dos quadros de pessoal do Exército (nomeadamente nos postos superiores de oficiais).

Só impunha uma condição: que todos os oficiais que tivessem cumprido três comissões de serviço na guerra de África, ou mais, atingissem o posto de coronel.

Assim se fez.

 Mais tarde, o ministro Fernando Nogueira (com o mesmo secretário de Estado), abriu o número de vagas suficiente para promover os ditos militares ao posto de coronel. E posteriormente levou a Conselho de Ministros a vulgarmente conhecida por ‘Lei dos Coronéis’ (Lei n.º 15/92, de 5 de agosto, que ‘adota medidas visando a racionalização dos efetivos militares’).

Infelizmente, Firmino Miguel já falecera. Estou certo de que, se estivesse vivo – com o real conhecimento do Exército, com o seu perfil, com a sua ação pedagógica e esclarecida e com o seu prestígio -, não teria permitido as incríveis cenas que ocorreram até à aprovação e implementação de tão importante diploma reformador. 

 

Firmino Miguel foi ministro aos 42 anos, integrando depois os I e II governos provisórios e os I, II e III governos constitucionais, e ocupou as mais elevadas funções no comando do Exército, mas não quis ser candidato a Presidente da República em três ocasiões.

Em 1991, por proposta do Governo e com a aceitação do Presidente da República, foi condecorado, a título póstumo, com a Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, mas ostenta apenas, como ordens nacionais, a Ordem Militar de Avis. 

Também a título póstumo, foi condecorado pelo Brasil com três medalhas do mais elevado destaque, e pela Itália com uma elevada distinção.

Entre nós, os civis distinguiram-no atribuindo o seu nome a uma rua em Lisboa e outra em Sintra (sua terra natal), colocando um busto seu numa rua de Sintra, a caminho da Correnteza.

 

E os militares? Um sucessor de Firmino Miguel no Estado-Maior mandou colocar o seu busto – afinal, um distinto CEME falecido enquanto estava ao serviço -, no hall do átrio nobre do Estado-Maior do Exército. Mas, como normalmente acontece com ‘gente menor’, um outro CEME (que muito lhe ficou a dever) mandou retirar o busto e ordenou que o recolhessem no armazém do Museu Militar. Assim trata Portugal os seus melhores…

Sobre aquele que mandou colocar o busto escreveremos em breve; sobre o que o mandou retirar não gastarei uma palavra, por ser uma diminuta e execrável pessoa.

 

*Major-General Reformad