Octávio Cerqueira Rocha fez parte, no início da década de 90, da equipa de comando de Mário Firmino Miguel, nas importantes funções de Quartel Mestre General do Exército.
Após a morte deste, Cerqueira Rocha assumiu o cargo de vice-chefe do Estado-Maior do Exército – para passar a chefe do Estado-Maior quando Loureiro dos Santos se ‘retirou’, num processo atribulado.
Conheci-o quando ele era major do Corpo de Estado-Maior na Escola Prática de Infantaria, onde servi no período 1975/1980. E desde logo as suas características e qualidades pessoais me impressionaram.
Sabedor, experiente, prático, aproximava-se frequentemente dos jovens tenentes e capitães para, acompanhando o nosso desempenho, nos alertar e fazer notar pormenores a que a nossa juventude e (pouca) experiência não atendia.
Cerqueira Rocha fez parte de um excelente grupo de oficiais (a maioria do Corpo de Estado-Maior ou com o Curso de Estado-Maior) convidados pelo então coronel Aurélio Trindade para darem um novo impulso à Escola Prática de Infantaria. Em boa hora o fez pois este grupo, em conjunto com muitos dos oficiais que já lá estavam, foi extraordinário e marcante durante vários anos para a Arma de Infantaria.
Retomei o contacto com ele no início dos anos 90, já no Ministério da Defesa Nacional, e mantivemos conversas sempre que as circunstâncias o proporcionavam. Permanecia o mesmo homem. Estudioso, objetivo, prático, determinado e leal, foi um excelente colaborador de Mário Firmino Miguel quando se desenhavam já os alicerces de um ‘novo Exército’.
Circunstâncias da vida levaram-no ao mais elevado cargo do Exército – CEME.
Não foi um processo simples nem fácil, mas – mais uma vez – a determinação, a clarividência e a objetividade de Octávio Cerqueira Rocha triunfaram.
Do seu exercício de comando permito-me recomendar a leitura de três documentos por ele produzidos e que constam do livro que publicou em abril de 1997, Exército: As Diretivas da Reestruturação – que fez o favor de enviar, autografado com dedicatória pessoal, ao então tenente-coronel Carlos Chaves, que servia na Academia Militar.
São eles: ‘Discurso de Posse em Belém’, em 12 de outubro de 1992; ‘Plano de Acção’, apresentado na Academia Militar em 12 de janeiro de 1993; ‘Balanço de um Mandato’, apresentado na Academia Militar em 11 de abril de 1997.
Nestes documentos consta de forma clara, inequívoca e brilhante a ‘Estratégia do Exército para um Novo Rumo’ e a sua permanente preocupação com os quadros mais novos do Exército.
O Exército reformou-se então mais em 5 anos, com Cerqueira Rocha, do que nos vinte anos anteriores.
Lamentavelmente, depois de ele sair, deixou de existir uma estratégia para o Exército (esta apenas se manteve durante o curto mandato do general Gabriel Espírito Santo): passaram a existir ‘estratégias dos CEME’, nem sempre compagináveis com as que vinham de trás. E as mais das vezes, diametralmente opostas.
Passou-se do ‘servir’ (o Exército e o país) para o ‘servir-se’ (usando a função para mera promoção pessoal, quase sempre efémera). O interesse individual ultrapassou e subordinou o interesse nacional – numa total e perniciosa inversão de valores.
Infelizmente, muito do que encontramos nos três documentos agora referenciados só veio a ser retomado e concretizado com a reforma ‘Defesa 2020’, volvidos cerca de vinte anos.
De volta ao que é relevante, de Octávio Cerqueira Rocha guardo o magnífico uso da fina ‘inteligência social’, revelada na forma como sabia lidar com o ministro, com o general chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e com os chefes militares dos outros ramos, em situações delicadas e num período muito conturbado, mas de grandes realizações.
Fazendo jus à gratidão e à memória, Cerqueira Rocha fez colocar no hall da entrada nobre do Estado-Maior do Exército o busto do seu insigne comandante Mário Firmino Miguel — busto que, decerto, muito incomodava os sucessores, pois um ‘pigmeu sucessor’, fazendo jus à inveja, ordenou a sua recolha aos depósitos do Museu Militar.
Octávio Cerqueira Rocha merece de forma indelével o reconhecimento de ter sido o último ‘reformador’ do Exército.
Da minha parte, tenho fundada esperança que alguém que tenha pertencido à sua restrita e pessoal equipa de comando possa, em devido tempo, retomar a escola, a doutrina, o método e o processo que nos deixou.
Bem-haja meu general por tudo o que fez pelo Exército e pelos que o serviram consigo! Da natureza do homem – e com a passagem do tempo – emergirá sem dúvida para a História a sua obra.
*Major-General Reformado