Benfica-FC Porto. A intensa chuva dos golos

Entre março de 1941 e abril de 1943, cinco clássicos consecutivos para o campeonato valeram o exagero de 38 golos. Nunca se viu nada igual.

Se um Benfica-FC Porto (ou um FC Porto-Benfica) já é, por si só, motivo de interesse insofismável, o que aconteceu entre o dia 30 de março de 1941 e o dia 11 de abril de 1943 ficou para sempre como algo de único na história do futebol em Portugal. Cinco encontros consecutivos para o campeonato nacional produziram o número impressionante e total de 38 golos. A duas goleadas do FC Porto respondeu o Benfica com três. Durante dois anos, os rivais espancaram-se ferozmente como dois boxeurs raivosos, dispostos a atirar o adversário ao tapete de forma irreversível.
Tudo começou no Estádio do Lima, no Porto, com um centro mal medido de Pratas. Mal medido, digo eu, porque para ele e para o FC Porto teve a medida perfeita: a bola curvou, curvou e entrou na baliza de um atarantado Martins.

Estavam decorridos oito minutos de jogo e os encarnados não adivinhavam o que estava para acontecer nessa antepenúltima jornada de um campeonato que o Sporting conquistaria categoricamente. No entanto, têm uma reação dura. Querem responder à entrada forte dos portistas, mas a dupla jugoslava formada por Franjo Petrak e Slavo Kordnya domina os acontecimentos. Pratas faz o 2-0 aos 20 minutos e ninguém tem dúvidas quanto ao vencedor da partida. Kordnya, com um pontapé colocado, faz o 3-0 apenas dois minutos depois. Um acesso de orgulho ferido leva o capitão do Benfica, Francisco Ferreira, a romper as linhas contrárias e a oferecer o golo a Lourenço.

Pratas surge imponente no início do segundo tempo. É dele o 4-1. O jogo ferve. Teixeira ainda reduz, mas Petrak repõe a diferença definitiva: 5-2. As bancadas, repletas, festejam com alegria. E com boas razões para isso.

Os rivais só voltam a encontrar-se na sexta jornada do campeonato seguinte. Dia 22 de fevereiro de 1942, novamente no Porto, mas desta vez no Campo da Constituição. Se a memória dos encarnados ainda guarda a dor da derrota profunda, voltará a ter motivos para mágoas. Logo aos 13 minutos, o FC Porto faz 1-0 por Correia Dias. Ao passar da meia hora, o mesmo Correia Dias aumenta a vantagem. A história repete-se. Embora mais comedida, a goleada portista firma-se. Correia Dias completa o hat-trick, tal como Pratas no ano anterior, Valadas falha um penálti para os lisboetas, António Santos marca o 4-0 e só à beirinha do fim é que Conceição reduz o resultado: 4-1. O somatório de dois clássicos consecutivos regista agora 9-3 para os nortenhos. A desforra não tardará. E será terrível.

Furacão vermelho

Três meses mais tarde, no dia 10 de maio, foi a vez de o FC Porto viajar até Lisboa. No Campo Grande esperava-o uma desagradável surpresa. Ao fim de três minutos já a defesa nortenha e o guarda-redes húngaro Bela Andrasik – que viria a desaparecer misteriosamente sob a desconfiança de ser um espião ao serviço dos ingleses – se viam metidos numa camisa de onze varas. Valadas desperdiça boas oportunidades e o primeiro golo, da autoria de Gonçalves, surge de forma injusta, marcado numa situação de off-side que o árbitro de Coimbra, Álvaro Santos, não assinalou.

A violência instala-se.

António Nunes atinge Teixeira na cabeça; um pontapé de Correia Dias deixa Gaspar combalido. A despeito de jogar vários minutos com dez jogadores, o Benfica faz o 2-0 por Manuel da Costa e sai para o intervalo a ganhar por 3-0, na sequência de um penálti cometido por Guilhar que Rodrigues converteu.

No primeiro minuto da segunda parte, Teixeira faz o 4-0. Pratas reduz e Rodrigues cerra o resultado: 5-1.

O grande terramoto vinha a caminho.

7 de fevereiro de 1943. 

Campo Grande, em Lisboa, estádio do Sport Lisboa e Benfica, quinta jornada do campeonato nacional.

Rematadores de excelência tinha esse Benfica: Valadas, extremo esquerdo, que possuía um pontapé poderoso; Julinho, que marcou 202 golos em 200 jogos; Rogério Lantres de Carvalho, o inesquecível Rogério Pipi, figura ímpar da história do clube, acabado de chegar vindo de Chelas.

Da qualidade dos seus avançados também o FC Porto não se podia queixar: Correia Dias, que marcou a brutalidade de 200 golos em 167 jogos pelos azuis-e-brancos; Araújo; e o madeirense Artur de Sousa, conhecido por Pinga, figura maior de toda a história do futebol português.

Nunca se tinha visto nada assim entre os dois clubes. E nunca mais se verá, certamente.

Aos quatro minutos, Valadas fez o primeiro golo. Pobre Luís Mota, o guarda-redes em quem ninguém acreditava e que viera substituir o extraordinário húngaro Mihaly Siska! Era o seu jogo de estreia. Ao intervalo já a diferença era pesada: 4-0. Golos de Valadas (5 e 31 minutos), Teixeira (39) e Manuel da Costa (44, de penálti). Nada a fazer. Na defesa portista, a confusão é total. A rapidez dos avançados do Benfica torna-se estonteante, uma verdadeira tortura para os seus adversários. No primeiro minuto da segunda parte, Alfredo faz autogolo, mas Póvoas, aos 48, atira para a baliza certa. Ânimo de pouca dura: Julinho (55), Manuel da Costa (58, de penálti) e de novo Julinho (60 e 61) põem o resultado nuns inconcebíveis nove a um!!! E faltava meia hora para jogar.

O público avermelhava de satisfação e de orgulho. Aos 64 minutos, Nunes é expulso. O furacão Benfica abranda. Araújo reduz para 2-9 (67). Então, o vendaval volta a soprar. Destruída, a equipa do FC Porto ainda se sujeita a mais três golos: Julinho (75), Francisco Ferreira (77) e Teixeira (85). Doze a dois!

Na segunda volta, dois meses mais tarde, não há desforra. O Benfica vence na Constituição por 4-2. Julinho e Pratas fazem o 1-1 da primeira parte. Depois, Manuel da Costa (dois golos de penálti) e Teixeira marcam para os forasteiros, Gomes da Costa para os portistas: 2-4. Os golos tinham chovido como gotas de água numa tempestade tropical.