«Correr sem rumo é esperar em movimento»

Há quem advogue que a vida de cada um deve ter um propósito bem definido, um projeto pessoal, pelo qual cada pessoa deve guiar-se. E há quem prefira ver o que a vida lhe reserva, navegando ao sabor do vento, deliciando-se com cada surpresa com que se depara.

Esta afirmação, captada nos Anjos, em Lisboa, declara que «correr sem rumo é esperar em movimento». Trata-se dos versos de uma música dos brasileiros Tutankamon: «Na direção do vento / Fazendo eterno o momento / Aprendi com o tempo que correr sem rumo / é esperar em movimento». E é bem verdade que quem corre sem rumo não sabe para onde vai e, portanto, é como se ficasse parado à espera, porém está em movimento.

Há quem advogue que a vida de cada um deve ter um propósito bem definido, um projeto pessoal, pelo qual cada pessoa deve guiar-se. E há quem prefira ver o que a vida lhe reserva, navegando ao sabor do vento, deliciando-se com cada surpresa com que se depara.

Pode, porém, afirmar-se que, neste segundo caso, a intenção deliberada de não fazer planos e de aceitar tudo o que a vida traz é, já em si, um projeto de vida. A famosa máxima «carpe diem», ou, em inglês, «seize the day», como ficou conhecida no filme «Clube do Poetas Mortos», traduz isso mesmo – aproveitar cada dia como se fosse o último, como se fosse único e inigualável. E, na realidade, assim é. Cada dia é único e irrepetível! Só que, muitas vezes, enredados na trama do quotidiano, tendemos a uniformizar os dias para que o conforto da rotina e do desconhecido apazigue o medo do que desconhecemos e que, por esse motivo, antecipamos como potencialmente perigoso ou negativo.

Muitas vezes somos nós que complicamos a vida, porque somos nós que nos sentimos incapazes de, como diz o poeta António Franco Alexandre: «viver com estas minúsculas intempéries // (…) / como nos escapa o que não há ainda!». É a ânsia de alcançar o que não há ainda e a angústia de nunca o conseguir que, muitas vezes, nos levam ao desalento de não saber enfrentar o quotidiano, que nos surge pleno de incerteza.

Diz, curiosamente, João Tordo, em entrevista a propósito do seu último livro: «Precisamos de histórias para mantermos a esperança, para lidarmos com um universo que, à partida, não nos dá garantias». E digo curiosamente porque efetivamente os livros que lemos e as histórias que nos contam dão-nos uma capacidade acrescida de reconhecer padrões, de saber como as personagens (que, muitas vezes, consideramos «pessoas»…) enfrentam determinadas situações, ultrapassam certos problemas ou lidam com sentimentos avassaladores de alegria ou tristeza.

Muitas vezes são as histórias que nos ajudam ou dão pistas para sabermos lidar com a vida; são as histórias, que, no fundo, retratam outras vidas que nos ajudam a enfrentar a nossa própria vida, para tentarmos que a vida não passe «por nós / de avião», como diz Ferreira Gullar. Porque se a deixamos passar ao longe, sem verdadeiramente a vivermos, não teremos nova oportunidade. E é assim porque, efetivamente, mesmo aquilo que deixamos para trás não deixa de fazer parte de nós, uma vez que parte do que parte fica…

 

Maria Eugénia Leitão