Nomeação de Moro é ‘fraude do século’, diz PT

O Presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, já começou a escolher os nomes para o seu futuro governo, mas nenhum causou tanta polémica como o do juiz federal Sérgio Moro.

O Brasil ainda digeria os resultados da segunda volta das presidenciais quando o Presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, começou a dar novos passos para constituir o seu futuro Governo. Um governo «decente» e «formado por pessoas que tenham o propósito de transformar o Brasil numa grande, livre e próspera nação», como disse no seu discurso de vitória. Mas à medida que tem revelado os ocupantes das pastas do seu executivo, as críticas não se têm feito esperar. O principal alvo tem sido o juiz federal Sérgio Moro, que irá ocupar o superministério da Justiça e Segurança Pública. A bolsa de São Paulo atingiu na quinta-feira um recorde positivo histórico com a nomeação de Moro.

A divulgação de alguns dos nomes dos futuros ministros começou, no entanto, ainda dias antes de os resultados serem conhecidos: o general Augusto Heleno para a Defesa, Onyx Lorenzoni para a Casa Civil e Paulo Guedes para o superministério da Economia, onde pretende privatizar mais de 50 empresas públicas. Esta semana Bolsonaro revelou mais dois: o astronauta Marcos Pontes para a Ciência e Tecnologia e o juiz federal Sérgio Moro para o superministério da Justiça e Segurança Pública.

Conhecido por ser o magistrado responsável pela Operação Lava Jato, Moro era um possível nome para a Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal. O Presidente eleito escolheu-o para a Justiça, mas apenas depois de ambos se terem reunido, com Moro a exigir «total liberdade» para combater a corrupção e o crime organizado no Brasil. «Conversamos por uns 40 minutos e ele [Moro] expôs o que pretende fazer caso seja ministro e eu concordei a 100%», disse Bolsonaro. «Queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado, e um ministério com poderes para tal». O superministério de Moro integrará a Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, mas há quem avance que o novo ministro não terá controlo total sobre as ações das forças policiais, o que poderá colocar alguns entraves. A pasta da Justiça é conhecida por ser uma das mais desgastantes em capital político.
Moro também anunciou que pedirá escusa nas audiências de casos relacionados com a Lava Jato para «evitar controvérsias desnecessárias». Mas elas surgiram na mesma. 

Mal a nomeação foi tornada pública com uma nota enviada pelo juiz às redações brasileiras – e confirmada por um Twitter de Bolsonaro – as críticas foram-se avolumando. A presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, reagiu no Twitter afirmando que «Moro será ministro de Bolsonaro depois de ser decisivo para a sua eleição, ao impedir Lula de concorrer». «Ajudou a eleger, vai ajudar a governar», criticou a petista, referindo-se à nomeação com a «fraude do século». Não foi a única a reagir com críticas. Fernando Haddad questionou o próprio conceito de «república» no país: «Se o conceito de democracia já escapa à nossa elite, muito mais o conceito de república». O verdadeiro significado da nomeação, continuou o antigo candidato à presidência pelo PT, apenas será compreendido pelos «média e fóruns internacionais».

«Aceitar ser ministro foi um ato muito importante para nós advogados que há muito tempo denunciamos a parcialidade dele», disse Antônio Carlos de Almeida, advogado de 17 investigados na Lava Jato. O questionar da imparcialidade de Moro é a principal preocupação de alguns dos seus colegas de tribunal, segundo a Folha. O argumento deverá constar nos argumentos da defesa do antigo chefe de Estado Lula da Silva, há meses preso em Curitiba, perante o Supremo Tribunal Federal, mas também fortalecerá a narrativa petista de que Lula foi alvo de um processo político liderado por Moro.

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Em 2016, dois anos e meio depois de ficar encarregue da Operação Lava Jato, Moro concedeu uma entrevista a O Estado de São Paulo em que afirmou que «jamais entraria para a política». «Não, jamais. Jamais. Sou um homem de justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política».

Se as palavras ditas por Moro em 2016 invadiram as redes sociais nos últimos dias, outra da questões apontadas por magistrados, afirma a Folha de S. Paulo, é a forma como a nomeação foi feita. Por exemplo, a de Paulo Guedes para ministro da Fazenda foi conhecida durante a campanha, ao contrário do que aconteceu com Moro. Facto que poderá ser explorado pelo PT, a que acresce o da comunidade jurídica internacional começar a questionar a nomeação do juiz responsável pela condenação do principal adversário de Bolsonaro. A decisão de Moro em integrar o executivo do Presidente eleito poderá ser uma jogada para impulsionar a sua nomeação para o Tribunal Superior Federal em 2020 ou 2021, quando duas vagas serão abertas com a reforma dos juízes Celso de Mello e Marco Aurélio, escreveu a Folha.

Mas as reações à nomeação não foram só críticas. «Torço pelo melhor, temo que não, sem negativismos nem adesismos. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater, ajudará o país», escreveu no Twitter o antigo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Já sobre a polémica de um magistrado integrar um executivo, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], Claudio Lamachia, saiu em defesa de Moro: «a OAB defende que as indicações para os cargos de ministro de Estado sejam feitas com base na competência técnica e não em critérios de troca de favores políticos, como tem sido praxe nas últimas décadas». «A lei brasileira é clara ao permitir que integrantes da magistratura e do Ministério Público exerçam a função de ministro de Estado, desde que deixem a carreira», acrescentou. 

Na orgânica do Governo, Bolsonaro tem privilegiado em alguns casos a formação de superministérios, como o da Justiça. Ontem, o Presidente eleito recuou na criação do superministério da Agricultura e do Meio Ambiente, inicialmente proposto durante a campanha eleitoral e que foi fortemente contestado tanto por ambientalistas como pelo agronegócio. «Estou pronto para voltar atrás na fusão de ministérios da Agricultura e Meio Ambiente», disse Bolsonaro. O Presidente eleito tomará posse em janeiro e até lá deverá anunciar os restantes membros do governo.