China recruta jovens para criar armas inteligentes

Têm menos de 18 anos e foram recrutados entre os maiores cérebros adolescentes do país. Vão fazer parte de um programa pioneiro de desenvolvimento de um arsenal de robôs para travar as guerras do futuro.

É o primeiro programa escolar do mundo estabelecido para encorajar a nova geração a pensar as guerras do futuro e a desenvolver programas militares de inteligência artificial. A primeira turma de 31 jovens já foi recrutada pelo Instituto de Tecnologia de Pequim (BIT, na sigla em inglês) entre os melhores estudantes das escolas secundárias chinesas. Estes «jovens patriotas», escolhidos entre 5000 candidatos, vão agora cumprir um programa de estudos de quatro anos desenhado especificamente para os transformar em especialistas na área da inteligência artificial aplicada à indústria da Defesa.

«Estes jovens são todos extraordinariamente brilhantes, mas ser brilhante não é suficiente», disse ao South China Morning Post um dos professores do BIT envolvido no processo de recrutamento e que preferiu manter o anonimato devido à sensibilidade do tema. «Estamos à procura de outras qualidades como o pensamento criativo, a vontade de lutar, a persistência face aos desafios», disse, acrescentando ainda que é «essencial» ter também «uma paixão por desenvolvimento» e, claro está, todos eles «têm de ser patriotas». Esta última é uma qualidade essencial para quem vai trabalhar num setor tão sensível como o das armas.

«Este conceito é extremamente poderoso e perturbador», refere ao mesmo jornal Eleonore Pauwels, do Centro de Investigação Política da Universidade das Nações Unidas, em Nova Iorque. Este programa terá «implicações drásticas para o domínio militar e de segurança».

Empenhada em consolidar-se como uma potência mundial a todos os níveis, do comércio ao armamento, a China tem investido fortemente na área da defesa, com a criação do seu primeiro porta-aviões ou o desenvolvimento do seu caça furtivo (ver texto na página seguinte). O programa da BIT é mais um degrau para essa consolidação. Xi Jinping, o Presidente chinês, anunciou em outubro do ano passado, perante os 2300 delegados reunidos no 19.º congresso do Partido Comunista Chinês, que o país entrou numa «nova era» que a elevará ao «palco principal do mundo».

Depois de completarem os quatro anos de curso, o programa prevê que os alunos continuem com estudos de doutoramento para se virem a transformar nos líderes do programa de armas de inteligência artificial da China. Cada estudante terá dois cientistas do programa armamentista a acompanhá-los e, após o primeiro semestre de preparação, deverão escolher uma área de especialidade. A seguir serão encaminhados para laboratórios de defesa onde terão um ensino muito virado para a aplicação prática.

«Estamos a caminhar num novo caminho, fazendo aquilo que nunca foi feito antes», disse o representante dos estudantes, Cui Liyuan, numa declaração oficial.

A China não é a única potência a promover a ligação da indústria de defesa, e da tecnologia por ela desenvolvida, a projetos civis. Estados Unidos e Rússia estão a fazer o mesmo, mas desde que Xi Jinping chegou ao poder em 2012 que a ligação entre as indústrias militar e civil chinesas se têm estreitado. Em áreas como a da aviação, aeronáutica, automatização e tecnologias de informação o Estado chinês defende o «desenvolvimento integrado».

«O facto de a estratégia nacional de inteligência artificial da China ser construída com base na doutrina da fusão cívico-militar significa que um protótipo de uso militar pode ser cooptado e pervertido para vigiar ou causar dano em contexto civil», alertou Eleonore Pauwels.

Em abril, o governo chinês submeteu nas Nações Unidas uma declaração de posição sobre o uso de armas de inteligência artificial: «Como produtos de altas tecnologias emergentes, o desenvolvimento e uso de sistemas autónomos de armas reduzirá o limiar da guerra e o custo da guerra para os países que os utilizem. Isto permitirá que o rebentar de guerras seja mais fácil e mais frequente».

Sem essa discussão, sem que as grandes potências estabeleçam os limites ao desenvolvimento de robôs capazes de autonomamente levarem a cabo operações militares, a China deixou a ideia de que nem o céu é limite (tendo em conta o forte investimento na indústria aeroespacial) às suas ambições. Até lá «não deve haver premissas predefinidas ou resultados julgados antecipadamente que possam impedir o desenvolvimento da tecnologia de inteligência artificial».

Num setor que valerá 3,9 mil milhões de dólares em 2022, de acordo com a previsão da Garter, publicada em abril, o Governo chinês estabeleceu como objetivo ser o líder mundial em inteligência artificial até 2030. O programa da BITé um dos passos nesse sentido. Se os campeões olímpicos são descobertos cedo para que o talento inato possa ser nutrido desde muito cedo, por que não aplicar o mesmo conceito no desenvolvimento dos especialistas de armamento de inteligência artificial?

Em abril, foi publicado o primeiro manual sobre inteligência artificial destinado aos alunos da escola secundária. Fundamentals of Artificial Intelligence surge seis meses depois de o Conselho de Estado da China ter defendido a inclusão de cursos sobre inteligência artificial nos programas curriculares do ensino primário e secundário.