A impunidade e seu sentimento

Em Portugal vivemos um período em que se generalizou e instalou o sentimento e a prática da impunidade, disseminada pelos diferentes estratos da sociedade

A impunidade instalada e o respetivo sentimento, percecionado e assumido, sempre constituíram um dos maiores malefícios das sociedades.

Foi assim ao longo do tempo, onde sociedades se desfizeram e populações se envolveram em guerras muitas vezes fratricidas.

Civilizações desapareceram e o mundo nem sempre se tornou melhor.

A perceção (cimentada na prática reiterada) de que tudo se pode fazer, porque nada acontece, torna-se assim um produtor do caos, da anarquia, da disrupção, da adulteração de valores e princípios sem os quais uma sociedade não pode existir.

Em Portugal, é por demais evidente que vivemos um período em que se generalizou e instalou o sentimento e a prática da impunidade, que está fortemente disseminada pelos diferentes estratos da sociedade e nos aparece sob as mais diversas formas.

Dispomos hoje de meios de comunicação acelerada (frequentemente instantânea), cuja utilização pode proporcionar múltiplos benefícios para a sociedade. Mas quando esses meios de comunicação estão ao serviço da impunidade, onde avultam comentadores e analistas, tornam-se autênticas armas de precisão – porque direcionadas para algo que se pretende destruir, incluindo pessoas, instituições, grupos, países ou ideias.

Se tal prática é já por si só maléfica, torna-se terrífica quando o sistema judicial a favorece, a não pune e às vezes até a elogia.

Assim, aos decisores políticos que ilusoriamente algumas vezes pensam dela beneficiar, compete legislar para, no mínimo, a ofensa evidente (e, por isso, fácil de provar) ser apreciada e punida em tribunais de forma célere.

A velha máxima de que ‘a culpa não pode morrer solteira’ tem aqui aplicação amplamente justificada.

Quando se destroem seres humanos, famílias, instituições, associações, vontades e valores, então, em nome dos princípios mais elementares, há que agir.

Considero especialmente preocupante o caso das redes sociais, pois as enormes possibilidades técnicas e o conhecimento colocado ao nosso dispor têm sido aproveitados de forma ostensiva, abusiva e impune, conduzindo-nos a uma autêntica selva e pântano social, do qual já começaram a brotar preocupantes movimentos populistas, tanto de esquerda como de direita, a que o centro também não escapa.

Ali pode atingir-se tudo e todos.

Ali pode dizer-se tudo de todos, sem ter de o provar.

Ali prolifera o ‘Reino da Impunidade’.

Se os decisores de hoje nada fizerem, estão, objetiva e conscientemente, a conduzir a sociedade ao caos e à anarquia.

Com efeito, tudo pode ocorrer – pois não se faz uma apreciação séria e rápida, nem são aplicadas sanções, mesmo quando a prova está mesmo ‘agarrada’ ao crime e à vista de todos.

Se quando a ofensa atinge o indivíduo já é grave, mais grave se torna quando atinge de forma ignóbil o que de mais sólido devemos preservar e manter: a hierarquia dos valores e os pilares do Estado de Direito Democrático.

Algo tem que ser feito, podendo começar pela realização de um estudo rigoroso, isento e objetivo sobre comentadores e analistas. Sobre as suas credenciais e qualificações, mas também – e sobretudo – sobre o que já realizaram e onde atuam.

Com ironia, talvez alguém possa pensar na criação de uma ‘Ordem’ ou de uma ‘carteira profissional’ passada por um sindicato, depois de apreciadas as condições necessárias a comentadores e analistas para o exercício das suas atividades. E instalar a seguir o respetivo ‘órgão regulador’ independente.

A impunidade está hoje diariamente presente e exposta, perante os nossos olhos, nos mais variados domínios da sociedade.

É praticada de diversas formas, por diversos atores, e despudoradamente explorada e exibida.

Reflitamos sobre o ‘onde’ e o ‘como’ fazer – pois o ‘porquê’ e ‘para quê’ são evidências tão gritantes que justificam uma ação concreta, coerente e eficaz.

Vamos a isso, enquanto ainda há (algum) tempo.

Não nos queixemos depois de o desastre ter ocorrido – como é prática comum.

Já não se trata só de prevenção, mas sim de ação.

Em Nome da Verdade, é preciso limitar e sancionar – para que a impunidade e o sentimento de impunidade deixem de ser a chaga social que são hoje.

 

P.S. – No próximo número analisaremos o que poderão ser as primeiras ‘evidências’  do chamado ‘caso de Tancos’.

 

*Major-General Reformado