Na primeira manifestação dos bombeiros, a palavra “humilhante” foi das mais usadas

Bombeiros voluntários não baixam os braços e deixam o aviso ao Governo: “sempre que precisam chamam os Bombeiros, quando há incêndios, por exemplo, mas para discutir estas propostas não conseguem chamar os Bombeiros”

O Terreiro do Paço ficou este sábado pintado de vermelho. E não, não foram as luzes de Natal. No dia em que a cidade de Lisboa abriu oficialmente a época natalícia, a Praça do Comércio foi invadida pela manifestação dos bombeiros. Cerca de três mil voluntários de vários pontos do país reuniram-se ao meio dia para dar voz à indignação e alertar o Governo de que estão unidos e, “se for preciso os bombeiros voltam cá outra vez, a Lisboa ou a outro ponto do país”, disse um dos homens que participou na primeira manifestação oficial do setor. 

Os bombeiros voluntários juntaram-se pela primeira vez na sequência das propostas aprovadas na generalidade pelo Governo a 25 de outubro na área da proteção civil. A alteração que merece maior contestação das corporações de bombeiros é as alterações à lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergências e Proteção Civil, futuro nome da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC). Ou seja, a proposta prevê a criação de cinco comandos regionais e 23 sub-regionais de emergência e proteção civil em vez dos atuais 18 comandos de distritais de operações e socorro. 

A estrutura não pretende calar-se enquanto o governo não estiver disposto a ouvir a Liga Portuguesa de Bombeiros. Estas alterações trazem diversas desvantagens aos olhos dos voluntários que todos os dias vestem a camisola sem esperar nada em troca. Por exemplo, para os bombeiros de Tabuaço, distrito de Viseu: “a desvantagem é que ficamos com território que não conhecemos. Neste momento, com esta alteração temos de ficar com terreno que não dominamos e que não estamos habituados. Em caso de incêndio é muito complicado, porque temos o rio no meio do caminho”. 

Há alternativa?

“A solução é o comando único”, diz Marco Fonseca, comandante de dos Bombeiros Voluntários de Tabuaço, acrescentando que “por exemplo, as outras forças têm alguém que os comande e nós não temos ninguém. Temos um comando nosso. E isso, a nível de organização é muito complicado. E atenção, isto é mais uma alteração política do que em termos operacionais”. A opinião é aprovada pelos colegas de Marco que também fizeram questão de estar presentes na manifestação. “Tenho 40 anos e se fosse no início eu tinha ficado em casa, mas isto é humilhante”, refere António, sub-chefe dos bombeiros de Tabuaço. 

Já do lado do sub-comandante dos bombeiros das Taipas, Ernesto Soares defende que a solução passa exatamente pelo comando único e, essencialmente, por ouvir a Liga Portuguesa de Bombeiros. “Estou nos bombeiros há 45 anos e estamos a ser atraiçoados pelo Governo na medida em que este projeto que eles apresentaram foi nas costas da Liga e de quem os representa”, diz Ernesto, que fez uma viagem de mais de cinco horas desde o distrito de Guimarães.

Além da criação de um comando único, os bombeiros pedem também mais apoios. São cada vez menos homens e mulheres. Em Tabuaço, por exemplo, “se não forem os municípios a fazer alguma coisa, a dar algumas regalias aos bombeiros, o governo também não dá”, refere Marco, acrescentando que “tem de haver algum incentivo. As pessoas começam, até gostam, mas depois arranjam emprego noutro lado. Há cada vez menos gente. Em 2015 foi a nossa última escola, tínhamos uns 47 inscritos, acabaram 23 e, neste momento, mantêm-se uns 15. Ainda não entrou mais ninguém”. 

No fim da manifestação, os bombeiros entraram nas viaturas de serviço e rumaram às respetivas localidades. Uma saída barulhenta que não passou despercebida, sobretudo aos turistas que pararam para ver os carros. O sentimento é o mesmo – querem ser ouvidos e não se importam de regressar a Lisboa. Também vincada fica a ideia de que “as propostas são uma desconsideração. Os bombeiros são apartidários, só querem que o Governo confie neles, como confiam as populações”, tal como disse Ernesto Soares. Marco Fonseca vai mais longe e deixa a ideia: “Sempre que precisam chamam os Bombeiros, quando há incêndios, por exemplo, mas para discutir estas propostas não conseguem chamar os Bombeiros”.