Condição Militar – Parte II

As Forças Armadas a ‘força mais musculada’ dos Estados, foram sempre um campo de atuação privilegiado dos comunistas.

Como anunciámos no primeiro artigo sobre a ‘condição militar’, a lei em vigor data de 1 de junho de 1989, tendo sido discutida e aprovada num contexto político, social, económico e estratégico que pouco ou nada tem a ver com aquele em que vivemos.

Por essa altura, estava-se na Guerra Fria – pois a queda do Muro de Berlim só aconteceria cinco meses mais tarde, as forças soviéticas tinham-se retirado do Afeganistão há escassíssimos meses e a dissolução da União Soviética só aconteceria dois anos e meio depois. 

As Forças Armadas Portuguesas ainda estavam estruturadas, treinadas e vocacionadas para o cumprimento de missões típicas da Guerra Fria e, em grande medida, muito formatadas pelo período da guerra no Ultramar.

 Só uns anos mais tarde, em 1995, voltariam a intervir fora do nosso território com unidades de combate, quando cerca de 170 militares integraram a Implementation Force (IFOR) da NATO, na República Sérvia da Bósnia.

 

Era ‘outro mundo’ – pois, tal como Portugal, os países com quem partilhamos valores civilizacionais só anos mais tarde haveriam de revelar-se francamente disponíveis para integrar missões internacionais em operações de paz e operações humanitárias.

Em Portugal ainda havia a Guarda Fiscal – que, enquanto corpo militar independente, foi extinta em 1993, passando a integrar (como Brigada Fiscal) a GNR, que viu substancialmente alargado o seu leque de missões.

Em síntese, por ocasião do debate e aprovação da ‘condição militar’, o mundo era ‘outro’. Tal como as preocupações, as ameaças, as alianças e as conquistas sociais, eram também outras as prioridades e missões que o país atribuía aos seus militares (Forças Armadas e GNR). E era outra a perceção que militares, políticos e cidadãos tinham deste conceito/condição.

 

Tal como prometido, sumariamos de seguida o (tortuoso) caminho político que conduziu ao atual conceito de ‘condição militar’, expondo as posições então assumidas pelos diferentes atores políticos e institucionais, as cedências feitas e as conquistas obtidas.

A primeira tentativa de definição da ‘condição militar’ aconteceu em fevereiro de 1984, no Governo do ‘bloco central’, com a assinatura de Mário Soares, Mota Pinto, Almeida Santos, Ernâni Lopes e Rui Machete: a Proposta de Lei 59/III, que pode ser consultada no Diário da Assembleia da República, número 87, II Série, de 11 de fevereiro de 1984.

Antes de ser retirada, esta proposta esbarrou no pragmatismo e profissionalismo dos deputados do PCP, que, por esta altura, ainda acreditavam fervorosamente no futuro da Internacional e nas ‘virtudes’ das ditaduras comunistas – atuando motivados pela crença de que o ‘processo revolucionário’ acabaria por triunfar em Portugal e no mundo.

 

Importa reter que, sendo as Forças Armadas a ‘força mais musculada’ dos Estados, foram sempre um campo de atuação privilegiado dos comunistas. Veja-se como estes ainda ‘controlam’ a generalidade das associações socioprofissionais dos militares em Portugal.

Promover estas associações e o sindicalismo nas Forças Armadas foram sempre objetivos claros do PCP, que não se coíbe de reivindicar continuamente direitos, direitos, direitos… e regalias, regalias, regalias (reparem, não são ‘compensações’, são ‘regalias’). A ideia de fundo consiste em minar a cadeia de comando, captar a simpatia dos incautos e inserir alguns correligionários na estrutura. Enfim, nada de novo: quanto pior (para o país) melhor (para o processo revolucionário).

Foi o deputado João Amaral, de saudosa memória, que fez o ataque cerrado à proposta do ‘bloco central’, não se eximindo de a caracterizar pela «brutalidade da restrição de direitos» e de a apelidar de «restritivista», «retrógrada» e «limitadora do papel cívico do militar».

Perante forte agitação na comunicação social de esquerda e dos ‘comentadores’ e ‘analistas’ políticos e político-militares, nem o Governo do ‘bloco central’ nem o seguinte avançaram com a proposta de lei apresentada por aquele.

 

Passariam quatro anos e nove meses até que o primeiro Governo de maioria absoluta de Cavaco Silva voltasse a apresentar, em 11 de novembro de 1988, em sessão plenária, nova Proposta de Lei sobre a ‘condição militar’. 

O que então se passou é digno de constar dos anais da ação política. Após intervenções do vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa, Eurico de Melo, e dos deputados Cardoso Ferreira e Ângelo Correia (PSD), Miranda Calha e Raul Rego (PS), Marques Júnior (PRD), Narana Coissoró (CDS) e João Amaral (PCP), este último proferiu um forte ataque à Proposta de Lei do Governo e conseguiu convencer os restantes partidos a baixarem a proposta à Comissão Parlamentar de Defesa sem votação na generalidade, como é da praxe parlamentar. 

Brilhante!

O PCP sabia que o seu ‘trabalho de formiga’ – profissional, preparado, coerente e de quem sabe o que quer – haveria de levar ‘avante’ (salvo seja) os seus propósitos, o que aconteceu na plenitude.

De facto, o documento que haveria de ser votado mais tarde já não seria sequer a modificação da proposta do Governo – era a proposta do PCP, ‘disfarçada’ de proposta da Comissão Parlamentar!

Na próxima semana veremos como tudo aconteceu. 

 

*Major-General Reformado