A condição militar – Parte III

Na reunião plenária em que se debateu a Proposta de Lei 69/V (Diário da República, n.º 12, I Série, 12.11.1988), o vice 1º ministro e ministro da Defesa, Eurico de Melo, mencionou o propósito de estabelecer um conjunto homogéneo de regras estatuárias aplicáveis aos militares dos quadros permanentes, em qualquer situação, e aos restantes militares…

Na reunião plenária em que se debateu a Proposta de Lei 69/V (Diário da República, n.º 12, I Série, 12.11.1988), o vice 1º ministro e ministro da Defesa, Eurico de Melo, mencionou o propósito de estabelecer um conjunto homogéneo de regras estatuárias aplicáveis aos militares dos quadros permanentes, em qualquer situação, e aos restantes militares na efetividade de serviço.

Expôs, entre outras, as seguintes linhas de força da ‘condição militar’: 

– Primado da Lei e do poder político constitucionalmente consagrado;

– Hierarquia e disciplina, como fatores essenciais à coesão e operacionalidade das Forças Armadas;

– Permanente disponibilidade dos militares para lutar pela defesa da Pátria, se necessário com sacrifício da vida;

– Restrições ao exercício de alguns direitos fundamentais, já prescritos na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas;

– Desenvolvimento das carreiras militares com base em critérios de competência e mérito;

– Benefícios e regalias (termos muito infelizes…) devidos aos militares.

Seguiram-se intervenções relativamente contundentes, das quais destacamos as seguintes:

-Miranda Calha (PS) manifestou preocupação pelo facto de a ‘condição militar’ envolver apenas sujeições e restrições, não sendo equilibrada no balanço entre direitos e deveres, mas reconheceu materializar um texto mais positivo que o proposto pelo ‘bloco central’, em 1984;

– Marques Júnior (PRD) disse que a proposta trata «em termos de filosofia geral subjacente o cidadão militar como um cidadão de segunda, por só ter deveres, ficando de forma remanescente alguns direitos»;

– Ângelo Correia (PSD) discordou das críticas formuladas, e considerou relevante o facto de a Proposta de Lei consagrar as Forças Armadas como serventuárias da Nação, prestando um serviço de matriz nacional, tendo por isso um «estatuto jurídico próprio», diferente de todos os outros cidadãos; também recordou a natureza jurídica do diploma, que exigia a estrita observância do determinado da Lei de Defesa Nacional, tendo de consagrar restrições de direitos;

– João Amaral (PCP) não se coibiu de indicar que a proposta governamental materializava «um diploma oco (sem miolo), pela conceção, restritivista, retrógrada e limitadora do papel cívico do militar, que a enforma. Pesa a seu favor […] que é incomensuravelmente melhor do que a proposta apresentada em 1984 pelo Governo PS/PSD», cujo «escândalo inclassificável que constituía e a repercussão que teve em muitos setores acabaram por ter o efeito de conduzir ao monumental recuo» que agora constatava.

Na sequência do debate, por requerimento dos deputados do PSD, a proposta baixou à Comissão da especialidade sem votação.

Após quatro meses de trabalhos, na sessão de 7.3.1989, o plenário da Assembleia da República voltou a apreciar a Proposta de Lei 69/V da ‘condição militar’. Mas já não era a proposta do Governo – e sim um texto alternativo. O Plenário procedeu à aprovação na generalidade desse texto alternativo, que foi também aprovado na especialidade e em votação final global.

Nesse dia memorável – pasme-se! – o PCP não teve ‘pudor’ em se apresentar como grande vencedor e autor do texto que acolheu a quase totalidade dos seus conceitos, anseios e objetivos.

O PSD, em ‘negação’ perante o que estava a acontecer, limitou-se praticamente a esclarecer por que razão os militares não podem ter sindicatos; que a Proposta de Lei continha aspetos relevantes de prestígio e dignificação dos militares, como as pensões de sangue, as pensões especiais e a situação de reserva – um exclusivo dos militares; e a razão pela qual a ‘condição militar’ se aplicava também à GNR e à Guarda Fiscal.

O PS abrigou-se na ‘ética militar’ e o PRD considerou estar perante ‘um ganho’, mas ambos se limitaram a manifestar timidamente o seu sentido de voto e a tecer comentários mais ou menos genéricos. 

Permitimo-nos destacar as seguintes declarações de João Amaral (PCP):

– Nos últimos seis anos houve «tentativas para restringir mais apertadamente e de forma brutal o leque de direitos, liberdades e garantias de que os militares são privados. O exemplo máximo dessas tentativas foi a proposta de lei do Governo do ‘bloco central’»;

– Com forte empenhamento do PCP, a Assembleia da República não adotou «a conceção acéfala, acrítica e antissocial do militar» em que assentava a proposta do Governo;

– As garantias cívicas e profissionais devem ser o enfoque fundamental da condição militar, pelo que «apresentámos 32 propostas de alteração, das quais metade foram acolhidas».

O deputado comunista enumeraria ainda as «vitórias conseguidas» com propostas inovadoras do PCP quanto à justiça militar, às limitações aos direitos fundamentais, aos limites formais e materiais ao dever de obediência. 

Tiramos o chapéu ao deputado João Amaral, que ainda nos brindou com as seguintes pérolas: 

«A Proposta de Lei foi virada do avesso»;

«Vamos votar favoravelmente 15 dos 17 artigos do diploma, com a certeza de que muito contribuímos para o resultado. Entretanto, iremos votar contra os artigos 7.º (restrições de direitos) e 16.º (relativo à GNR e à Guarda Fiscal)».

«O PCP vai abster-se na votação final global».

Brilhante! A votação final global traduziu-se na aprovação, com votos a favor do PSD, PS, PRD e do CDS, com abstenção do PCP, Os Verdes e deputados independentes. Ou seja, os outros partidos votaram favoravelmente uma proposta que era quase exclusiva do PCP, que ainda se deu a o luxo de se abster! A política não é para quem quer, é para quem sabe… e trabalha.

É com esta lei que chegamos aos dias de hoje.

Por tudo o que dissemos nos artigos dedicados à ‘condição militar’, em Nome da Verdade consideramos que o período que antecede as próximas eleições legislativas é o momento adequado para se revisitar esta temática, devendo – idealmente – ser incluída nos programas dos diversos partidos e, principalmente, debatida no local adequado, que é a Assembleia da República.

Nota – Em artigo próximo voltaremos a este assunto com propostas concretas… Mas no próximo número falaremos das ‘evidências do caso de Tancos’, analisando comportamentos e ações do Sistema de Segurança Interna.

 

*Major-General Reformado