Os 100 dias do ministro Cravinho

João Cravinho (filho) fez no dia de Natal 100 dias como ministro da Defesa – e, como prometido, analisamos hoje a sua ação, bem como a da sua ‘ajudante’ Ana Pinto.

Reza a história que os primeiros 100 dias são determinantes para perceber qual será o modelo de um mandato.

Cravinho iniciou funções em circunstâncias muito específicas, em pleno ‘olho do furacão da tempestade’ de uma das maiores crises nas Forças Armadas no período pós-25 de abril – dispondo, pois, de condições objetivas para poder ‘brilhar’.

Aquela crise foi-se desenvolvendo até atingir um nível insuportável, muito por demérito do seu antecessor mas também com grandes responsabilidades do primeiro-ministro, António Costa, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

E inseriu-se perfeitamente na forma como, ao longo dos últimos 30 anos, o Partido Socialista tem encarado a ‘pasta’ da Defesa Nacional, caracterizada pelo ritmo alucinante com que ali ‘queima’ sucessivos políticos. E este quadro, só por si deprimente, tem sido ‘aprimorado’ pela sobranceria, arrogância e pretensa impunidade do chefe do atual Governo. 

Mas é do ministro João Cravinho que hoje vou falar.

Alguém disse que uma boa métrica para avaliar o trabalho de um ministro é aquilo que faz publicar no Diário da República. Ora, de substância, nada foi publicado por Cravinho nestes primeiros 100 dias, para além da corriqueira ‘mercearia’ administrativa. E o que de importante publicou já vinha do antecedente – encontrando-se ‘retido e cativo’ nas Finanças (onde esta equipa goza de melhor ambiente do que Azeredo Lopes).

Cravinho entrou em funções com os dois principais instrumentos operacionais já prontos – o orçamento da Defesa e a Lei de Programação Militar – tendo-se remetido ao que pensa saber fazer: falar e viajar.

Como consequência, temos sido brindados (por ele e pela sua ‘ajudante’) com verdadeiras ‘pérolas’ de doutrina, de ciência política, de relações internacionais, de lugares comuns, de receções diplomáticas e de uma pretensa superioridade académica, embora aplicada em campo errado, não resistindo mesmo ao aproveitamento da religião…

O doutor João Cravinho e a sua ‘ajudante’, também doutora, têm-se imposto como autênticos ‘emplastros’ em tudo o que é cerimónia ou acontecimento relevante no interior (ou exterior) das Forças Armadas, mesmo ‘inventando’ alguns de forma caricata.

Seria interessante, em nome da transparência, que os Gabinetes do ministro da Defesa e da sua ‘ajudante’ revelassem as pessoas que já admitiram, bem como os recursos financeiros despendidos com o funcionamento dos gabinetes.

Esta equipa ministerial, já conhecida por ‘os ursos que vão ao pote do mel’, realizou uma ‘profundíssima’ reestruturação na direção do Instituto de Apoio Social das Forças Armadas (IASFA), pois, à revelia de um concurso que decorria na CRESAP – aliás, um dos concursos mais participados de sempre -, nomeou para vogais do Instituto um ‘boy’ e uma ‘girl’ do seu restrito e ativo ‘grupo de apoio’.

Esta ‘profundíssima reestruturação’ foi efetuada com o acordo tácito, cúmplice e quiçá comprometido da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), que sempre tinha atacado, ácida e vergonhosamente, a anterior vogal, tendo também deixado o presidente do IASFA colocado em ridícula e humilhante minoria.

Assim se faz política com esta gente!

Os recrutamentos já realizados provam – inequivocamente – que estamos perante pessoas que circulam num meio político-académico-diplomático restrito, consubstanciando um grupo de interesses que ‘paga’ favores pessoais.

Aguardamos com ansiedade o que irá acontecer com a direção do Instituto da Defesa Nacional e com as direções-gerais do Ministério da Defesa Nacional e equivalentes, porque também se incluem no ‘pote de mel’ que garantirá o futuro dos atuais intervenientes.

A figura ‘sinistra’ do chefe de gabinete do doutor Cravinho (um diplomata de carreira) tem sido o exemplo acabado da arrogância deslocada, da incompetência provada e do total despudor no exercício de funções.

Conhecido como ‘o furacão do Restelo’, tem concretizado muito daquilo que os seus ‘chefes’ não querem assumir – não passando do ‘idiota útil’ que tanto jeito dá a quem quer ‘fazer mal’ e não tem coragem nem frontalidade para tal.

Ao longo destes 100 dias, o doutor Cravinho e a sua ‘ajudante’ têm dado concretas provas da sua incompetência para tratar, analisar e decidir sobre os graves problemas de gestão e funcionamento com que a instituição militar e a Defesa Nacional se deparam.

Mais uma vez, a Defesa Nacional está a servir como plataforma de lançamento para voos mais altos de quem faz a sua carreira na zona cinzenta da ação, no compromisso da mentira e na ilusão da sua competência inexistente (por não provada).

O doutor Cravinho, estrangeirado de profissão e por opção, pensa e exerce o cargo de ministro da Defesa como se de tirocínio ou estágio para ministro dos Negócios Estrangeiros se tratasse – ‘empurrando’ o seu ‘alter ego’ Santos Silva (‘o malhador’) para um alto cargo no estrangeiro.

Este até já anunciou que provavelmente é a última vez que exerce um cargo ministerial…

Seja-me permitida uma provocadora ironia: tal como disse que nunca pensei vir a ter saudades de Álvaro Cunhal ou Mário Soares (e já tive), vejo-me qualquer dia na contingência de vir a ter saudades de ‘mister Magoo’ (Azeredo Lopes).

A presunção de Cravinho e da sua ‘ajudanta’ de que a sua presença provoca tranquilidade (no interior) e credibilidade (no exterior) da instituição militar é de um ridículo gritante, constituindo-se como exemplo do que lhes vai no intelecto. E de uma ambição sem limites.

Daqui desafio o ministro Cravinho a cumprir, no próximo ano, o processo de promoções e progressões – umas acionadas no momento legal e outras sempre que ocorram vagas que as permitam.

Para ‘fazer cumprir’, é obrigatório ‘cumprir’ – e, sempre que possível, cumprir primeiro.

‘Música e fardamentos novos’ – ou, como diria ‘o malhador´, «o que os militares querem são desfiles, cerimónias, louvores e condecorações» – só enganam os incautos ou apaniguados de obscuras amizades e interesses.

Voltaremos a este tema lá mais para a Páscoa, aguardando ainda com expectativa as decisões que serão tomadas no apoio social e na doença, e o prosseguimento da reforma da saúde militar e do Hospital Militar (HFAR).

Em nome da verdade, boa sorte!

*Major-General Reformado