De mulher para mãe: uma metamorfose

Neste cenário, o pouco tempo livre que lhes resta dificilmente é gasto a verem-se ao espelho, a tratarem das unhas ou numa ida ao cabeleireiro

Há uns anos fiquei surpreendida e intrigada quando reparei que uma amiga estava descontraidamente de saia com a depilação por fazer nitidamente há mais tempo do que desejaria. Quando na semana passada encontrei outra amiga que já não via há uns tempos largos, com um aspeto desgastado, de olheiras marcadas e cabelo desgrenhado, lembrei-me da anterior e só aí fiz a ligação: ambas tinham tido filhos há relativamente pouco tempo. Se da primeira vez ainda estava longe de conhecer esta nova forma de estar, agora quem já não me vê há uns anos e me encontrar na rua deve pensar que fui abalroada por um tanque de guerra.

A transição de mulher para mãe chega gradualmente durante a gravidez, quando o corpo vai sofrendo alterações a começo subtis que a uma certa altura se tornam evidentes. A futura mãe é alvo de vários e crescentes desconfortos à medida que o bebé se vai apropriando sorrateiramente do seu espaço interno – físico e emocional – e também do espaço externo, em todas as mudanças a que se vê sujeita. Muitas grávidas tornam-se verdadeiros invólucros ou incubadoras ambulantes: aumentam tanto de peso que para se mexerem sentem-se a rebolar. Algumas veem-se proibidas de comer certos alimentos; outras chegam a ficar totalmente imobilizadas em hospitais para não haver surpresas; quase todas são sujeitas a suplementos, medicação oral ou mesmo injetável, para que através de si o bebé possa receber aquilo que o protegerá; e há até aquelas que têm de administrar a si próprias injeções diárias para evitar complicações. Passam por todo este processo com naturalidade e sem heroísmos, como o caminho necessário para alcançar o que mais desejam. No fim está o parto, a cereja no topo do bolo.

Embora se pudesse imaginar que depois do nascimento a mulher voltaria a apropriar-se da sua vida e do seu corpo, não é bem isto que acontece. O espaço que o bebé foi ocupando no interior da mãe, começa a ocupar agora cá fora, numa série de solicitações constantes que a deixam sem espaço para respirar. Por isso, nos primeiros dias de vida do bebé as mães só conseguem tomar banho e vestir-se quando os outros já estão a lanchar, andam com a roupa desajeitada e manchada de leite, no quarto parece que passou um furacão e adormecem mal conseguem ter dois minutos de descanso.

Neste cenário não é de admirar que o pouco tempo livre que lhes resta dificilmente seja para se verem ao espelho, tratarem das unhas ou irem ao cabeleireiro. Primeiro estarão as necessidades básicas como comer e dormir e depois o resto da vida que está à espera. Tornam-se mais práticas, mais rápidas, os sapatos de salto alto e tudo o que der demasiado trabalho fica bem guardado e por vezes esquecido por muito tempo no armário. Para as mães que amamentam os filhos, é sobretudo quando deixam de o fazer que voltam a sentir-se mais independentes, novamente pessoas, mais mulheres. No entanto já nada será como antes e só daí a muitos anos o tempo voltará a ser quase só seu.

Estudos recentes concluíram que uma mulher envelhece 11 anos depois de ter filhos, como se o corpo se preservasse para apostar tudo nesse momento e depois ocorresse uma mudança brutal. Para meu consolo nunca vi ninguém que com o passar dos anos ficasse mais novo, mas felizmente já vi muitas pessoas rejuvenescerem depois de terem filhos.