A vida e a morte das livrarias portuguesas

Entre 2012 e 2017 o número de livrarias em Portugal pouco oscilou – entre 630 e 650 – mas as livrarias de rua, com mais ou menos história, são cada vez mais notícia pelo óbito.

É mais do que sabido que Portugal tem das mais belas – e  mediáticas – livrarias do mundo. Os exemplos quase chegam para encher uma mão e os destaques mais imediatos vão para a Lello, no Porto,  que se viu obrigada a cobrar bilhete desde que o fenómeno Harry Potter encheu os caracóis da escadas de curiosos; e para as mais de três centenas de anos da Bertrand  do Chiado, em Lisboa, que a tornam na mais antiga livraria do mundo em atividade. Já a muitíssimo mais recente mas bem sucedida Ler Devagar, na LX Factory, é amplamente referenciada nos guias como um dos pontos de paragem obrigatórios para os amantes da literatura, e o seu sucesso até já serviu para ‘salvar’ uma congénere – a Ferin, na rua Nova do Almada, no Chiado, que atravessava em 2017 o deserto sem oásis à vista até que José Pinho, dono da Ler Devagar – e que organiza também o  Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos – a comprou para «manter tudo na mesma, não deixando ficar nada como está», explicou ao Diário de Notícias. Há outras, menos conhecidas, que também vão sobrevivendo: em Algés, como contámos no b,i. há um par de semanas, a Espaço continua a resistir às grandes cadeias na mesma loja que a viu nascer, em 1964.

Histórias de sucesso que não têm ouro suficiente para dourar a pílula – muitas livrarias, quase todas âncoras de bairro, viram-se obrigadas a fechar portas.

Não há ainda dados sobre o panorama de 2018, mas a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros sabe, através dos dados recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística, que por cá o número de livrarias  manteve-se praticamente igual entre 2012 e 2017. «Os registos do INE indicam que têm existido sempre cerca de 630/650 livrarias em atividade», indica ao b,i, Bruno Pires Pacheco, secretário-geral da APEL. Destas mais de 600 lojas não sabemos, contudo, quantas são livrarias independentes de rua, mas as notícias que nos vão chegando às páginas dos jornais não são animadoras e mostram uma balança desequilibrada.  A Aillaud & Lellos, na Rua do Carmo, em Lisboa,  fechou portas nos últimos dias de 2017. Já levava 87 anos de  história – fundada em 1931 -, mas nem as medalhas da experiência nem o facto de pertencer ao programa municipal Lojas com História a resgatou do óbito causado pelo «desacordo entre o senhorio e a empresa proprietária da loja», noticiou na altura o site O Corvo. Pelo mesmo caminho foi também a Pó dos Livros «livraria de bairro, independente, alternativa, com livreiros experientes», como era definida no blogue homónimo, e que habitou originalmente a avenida Marquês de Tomar, em Lisboa até se transferir para o último leito, o n.º 58A da avenida Duque de Ávila, do qual se despediu no final de março de 2018. Uma morte anunciada há sete anos, disse então um dos proprietários, Jaime Bulhosa, no dito blogue, afirmando que «um abutre» pairava sobre a livraria desde que esta abriu, em 2007. «Nunca passava para cá da linha da porta. No entanto, rondava de perto, dava uma bicada, ou duas, nos nossos pés e ficava inquieto à espera que chegasse a hora fatal, grasnando num som surdo, como só os abutres sabem fazer: ‘Quando é que chega o dia da liquidação total? Mais cedo ou mais tarde, todas as livrarias irão fechar’». Há muitos outros exemplos: a Livraria Portugal, na Rua do Carmo, que fechou em 2012; a  Leitura, no Porto, que encerrou quase à beira de completar meio século; a Livraria Miguel de Carvalho, em Coimbra, que decretou insolvência também no ano passado…

Fechos que levam história, que matam bairros, que põem fechaduras nas fronteiras do imaginário. A APEL diz-se vigilante. «Estamos naturalmente atentos ao que está a acontecer com várias livrarias de renome – que estão a fechar ou a reconverter-se – e temos feito chamadas de atenção, tanto ao Governo, como às autarquias, apontando as dificuldades sofridas pela classe com rendas atuais e a alteração dos hábitos de consumo dos portugueses, assim como temos participado nas iniciativas tomadas pelo Ministro da Cultura, nomeadamente no Grupo de Trabalho das Livrarias Independentes, sob a tutela da DGLAB», assegura Bruno Pires Pacheco.