Trabalhadores em casa por chumbo no ar

Esta semana, Paio Pires voltou a marcar a atualidade devido ao pó que alegadamente vem da fábrica SN-Seixal, mas já no passado o nível de partículas de chumbo no ar levou a ETAR da aldeia a reduzir os horários dos trabalhadores para não prejudicar a sua saúde.

Os níveis elevados de partículas de chumbo registados na aldeia de Paio Pires, no Seixal levaram no passado a administração da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) da Cucena – propriedade da Simarsul -, situada na mesma aldeia, a reformular escalas e turnos para zelar pela saúde dos funcionários. O objetivo foi assegurar que trabalhavam menos horas, inalando assim o mínimo possível as partículas de chumbo. O SOL sabe que os trabalhadores foram também aconselhados a não trabalhar no exterior.

A informação foi avançada ao SOL por Paulo do Carmo, da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, que na altura teve conhecimento da situação numa visita à ETAR, durante a qual os trabalhadores da estação se mostraram receosos pela saúde. «É uma situação bastante preocupante e que existe há anos», diz ao SOL o responsável da Quercus. «Em dezembro de 2016 fui visitar uma ETAR da Simarsul mesmo ao lado da Siderurgia Nacional [atual SN-Seixal] e disseram-me que tinham feito testes às partículas e que o chumbo tinha acusado valores bastante elevados. Por isso, não só reorganizaram as escalas e os turnos, que passaram a ser mais curtos, como aconselharam os trabalhadores a não fazer trabalho no exterior», recorda Paulo do Carmo.

O SOL contactou a Simarsul para confirmar a medida. Em resposta, fonte oficial da empresa esclareceu que «em 2016 a ETAR de Cucena era gerida pela empresa Águas de Lisboa e Vale do Tejo. Em abril de 2017 foi constituída a SIMARSUL – Saneamento da Península de Setúbal S.A., que assumiu a gestão da referida infraestrutura. Face à dimensão da ETAR não se justifica em termos operacionais a presença de trabalhadores em permanência, situação que já existia e que se mantém à presente data».

O SOL tentou obter os registos dos níveis de partículas de chumbo nessa altura, na região, mas não conseguiu até ao fecho desta edição. Contudo, níveis de partículas à parte, o chumbo é tido pela comunidade científica como um dos metais mais prejudiciais à saúde. «Temos um sistema de filtragem no aparelho respiratório que é sobretudo o nariz e os brônquios, e esse sistema de filtragem é muito eficaz para partículas grandes, que ficam retidas, mas as mais pequenas não ficam. E se chegam ao pulmão nunca mais saem. E se isso acontecer, pode surgir um problema chamado fibrose – em que o tecido pulmonar se transforma em tecido fibroso. É um problema grave porque deixamos de ter o tecido pulmonar – que cumpre a função de oxigenar o sangue – e passamos a ter tecido fibroso, que não consegue cumprir essa função. Gera-se então uma insuficiência respiratória e os doentes evoluem para uma doença chamada fibrose do pulmão», explica ao SOL o pneumologista Jaime Pina.

No caso específico do chumbo, as implicações são mais graves. «O chumbo é um metal pesado e os metais pesados estão associados a cancro do pulmão», explica Jaime Pina. O especialista dá o exemplo da gasolina, que «deixou de ter chumbo porque se percebeu que era muito prejudicial à saúde. Antigamente tinha porque tinha um caráter explosivo e com o chumbo deixava de ter, mas entretanto descobriram-se alternativas e deixou de ter».

Ao SOL, Paulo do Carmo assinala a perigosidade da situação, uma vez que nas imediações da fábrica existem, além da ETAR, centenas de casas, escolas e outros serviços.

 

Quercus pede inspeção

Ontem à tarde, a Quercus divulgou um comunicado no qual solicita uma «inspeção urgente da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT)», com «com caráter de urgência à Siderurgia

Nacional no Seixal para verificação do cumprimento das obrigações decorrentes da nova licença ambiental». A associação ambientalista solicita ainda uma «reunião com o delegado saúde local».

Na mesma nota, a Quercus afirma que «apesar do histórico de queixas e reclamações da população local ser superior a 20 anos, a Agência Portuguesa do Ambiente renovou a Licença Ambiental pelo período de sete anos, exigindo nessa renovação o cumprimento de várias ações», conclui, lamentando que «não tenha sido cumprida a promessa do secretário de Estado do Ambiente, atendendo que este em sede de comissão parlamentar de ambiente (realizada em 2017) garantiu que iria ser instalada outra estação de monitorização da qualidade do ar no Seixal para controlo das emissões poluentes e salvaguarda da população local, o que ate à data não se verifica».

O comunicado da Quercus, de resto, surge depois de, nos últimos dias, Paio Pires ter voltado a ser notícia devido ao aparecimento de um pó branco que já resultou, este ano, em 26 queixas à GNR. O pó, descreveram ao SOL residentes da aldeia, é visível na pintura dos carros, especialmente nos de cor mais escura, bem como nos vidros, e a sua remoção nada tem de fácil, saindo apenas com esfregões palha-de-aço.

As queixas motivaram uma investigação da GNR, que em 19 de janeiro, «através do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro, recolheu uma amostra dos resíduos na Aldeia de Paio Pires», enviando-a depois para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para análise, segundo confirmou ao SOL a força de segurança. Entretanto, também o Ministério Público (MP) abriu investigação, mas a verdade é que o pó que motivou, agora, ambas as investigações, não é o único a pairar naquela região: ao SOL, os moradores dão conta também de um pó preto que invade campas, carros e janelas, e cuja remoção é igualmente difícil. Para que não entre nas casas, o segredo é mesmo manter as janelas fechadas, segundo quem lida com o problema todos os dias. E qual a origem do pó branco e do pó preto? A atividade da fábrica de siderurgia SN – Seixal, garantem os moradores ouvidos pelo SOL. «É pior quando o vento vem do lado da fábrica porque traz sempre mais pó», argumenta ao SOL o residente José Manuel Gonçalves, 74 anos. «Às vezes cheira mesmo a ferro quente», diz José Dias, 82 anos.

Esta semana, de resto, a associação ambientalista Zero avançou que, em janeiro, o medidor de partículas inaláveis de Paio Pires registou por 13 dias valores acima do limite.