SPOILER ALERT: Se não quer saber absolutamente nada sobre este filme, não leia este artigo
“Bohemian Rhapsody” é um filme biográfico centrado na vida de Freddie Mercury. Independentemente das imprecisões históricas e dos erros factuais que lhe podem tirar pontos na corrida para Melhor Filme, existe algo indiscutível: O filme recorda-nos por que razão o músico é insubstituível e isso em muito se deve a Remi Malek, cuja interpretação o pode levar ao primeiro Óscar da sua carreira, na categoria de Melhor Ator Principal.
Além do glamour e da extravagância, a história quer relembrar as origens de Freddie Mercury, que antes de o ser, era o imigrante de Zanzibar de nome Farrokh Bulsara. Proveniente de uma família tradicional, o músico mostra como deixa para trás as suas origens, trocando-as pelo rock. Talvez isso seja a explicação para algumas das características do músico, que Remi Malek vai deixando transparecer ao longo do filme com a sua interpretação – passa a sensação de que o vocalista vivia num conflito interior.
A partir daqui começa a história dos Queen, o encontro e a entrada de Freddie Mercury na banda que adjetivava como “família”, a dificuldade em entrar no mercado da música e sobretudo o sucesso por detrás de “Bohemian Rhapsody”, a mais icónica música da banda e que deu nome ao filme. É neste ponto que percebemos como a banda inglesa assinalou um momento de viragem na música, e é neste momento que percebemos que, independentemente de sermos ou não da época em que os Queen marcavam os dias da rádio, cada música tinha um significado. Com o tempo, as canções ganharam uma importância tal que hoje em dia todos as conhecem e todos as sabem cantar – está é a prova de que Mercury morreu, mas o legado ficou.
Mas “Bohemian Rhapsody” não se esqueceu do amor e da história do tema “Love of my life”. Homossexual assumido, poucos devem imaginar que o grande amor da vida do artista foi uma mulher. Freddie Mercury conheceu Mary Austin, interpretada por Lucy Boynton, antes de atingir a fama e chegou mesmo a pedi-la em casamento. Foi mais tarde que acabou por confessar a sua ainda confusa orientação sexual e apesar da relação física ter acabado, o amor e a amizade continuaram. A relação entre os dois é tão clara ao longo do filme que nos ajuda a perceber por que razão o artista lhe deixou grande parte da sua fortuna. “Love of my life” é apenas uma das músicas que demonstra que Mercury colocava a sua vida em cada letra que compunha.
E se a narrativa nos relembra da singularidade de Mercury e nos faz criar uma ligação imediata com o cantor e com os seus sentimentos, consegue ao mesmo tempo afastar-nos pela extravagância e egocentrismo que transmite.
No filme, o vocalista é levado pelo manager a lançar-se a solo dando início às divergências com os restantes elementos da banda – esta é talvez uma das imprecisões históricas mais graves cometidas, já que, na realidade, Freddie Mercury não foi o primeiro membro da banda a lançar-se a solo. Antes de editar o seu primeiro disco, já o baterista Roger Taylor, interpretado pelo ator Ben Hardy, tinha lançado dois discos paralelos ao grupo. Mais do que grave, a imprecisão histórica recorda-nos de como os restantes elementos dos Queen foram tratados como elementos secundários na narrativa, ficando muitas vezes de parte a sua visão sobre os factos.
Esquecido não podia ficar o momento em que Freddie Mercury foi diagnosticado com o vírus do HIV. A outra imprecisão histórica do filme passa pela atuação dos Queen no Live Aid, em 1985, concerto de solidariedade para as vítimas da fome em África – momento que voltou a unir a banda – e o facto do vocalista ter revelado o diagnóstico antes do concerto. De acordo com os relatos oficiais, não há registo, antes de 1987, dois anos depois do concerto, que o músico tenha sido diagnosticado com a doença.
No entanto, a cena do concerto é uma das melhores ao longo de todo o filme, já que Remi Malek traz de forma brilhante a energia de Freddie Mercury em palco, numa interpretação brilhante.
A forma como é tratada a homossexualidade de Mercury e o vírus da SIDA também nos faz recordar o tempo em que o músico viveu. Não podemos esquecer que este era um tempo marcado pela omissão, um tempo em que a homofobia e a ignorância fizeram com que a doença se desenvolvesse. Ronald Reagan, presidente dos EUA, entre 1981 e 1989, país onde surgiram os primeiros casos, reagiu sempre com indiferença e o HIV era visto apenas como "a vingança da natureza contra os gays", como chegou a dizer o seu porta-voz, Pat Buchanan .
O filme não esquece ainda o relacionamento de sete anos do músico com Jim Hutton (Aaron McCysker), com quem Mercury ficou até 1991, o ano em que acabou por morrer devido a uma pneumonia relacionada com a sua condição.
Talvez a intenção de querer contar toda a história em tão pouco tempo deixe para trás vários pormenores. “Bohemian Rhapsody” pode não ser o melhor filme biográfico, mas é indiscutível que nos agarra ao ecrã do início ao fim e que deixa fortes possibilidades de passar as horas seguintes ao filme a ouvir Queen. Independentemente das opiniões, fica uma certeza: que falta nos faz Freddie Mercury.