Anunciei a alguns amigos e camaradas (poucos) a minha intenção de, durante o mês de março, começar a publicar as minhas memórias.
Estas foram sendo escritas semanalmente, nos fins de semana, seguindo um método que aprendi, enquanto aluno da Academia Militar, quando tive o privilégio de ser comandado pelo então tenente-coronel ‘Comando’ António Soares Carneiro.
Um dia, correspondendo a uma ordem para ir ao seu gabinete, fui encontrá-lo a preencher – a lápis – umas fichas pequenas, de cartolina amarela.
Disse-me então para esperar uns minutos, enquanto acabava de escrever uns apontamentos.
Quando terminou – e perante o meu espanto – disse-me que tinha acabado de registar notas sobre a semana que tinha terminado, pois assim seria mais fácil, mais tarde, escrever as suas memórias.
Acrescentou que o fazia há muitos anos e que comprava as fichas na Papelaria Fernandes, no Largo do Rato, em ‘molhos’ de 100.
Entusiasmado, nessa mesma tarde, a caminho da Escola Josefa de Óbidos (ao encontro da minha namorada, hoje mãe dos meus filhos e avó dos meus netos), comprei dois ‘molhos’ de fichas. Iniciei assim as minhas memórias.
No final de cada ano, passava as fichas a papel A4 – e, mais recentemente, a computador.
São hoje cerca de 1800 páginas, divididas por seis volumes, incorporando cerca de 700 documentos oficiais (as ‘provas’) e mais de 200 fotografias relacionadas (as ‘circunstâncias’).
Dividi assim as minhas ‘Estórias’:
Livro 1 – Do meu princípio ao fim da ‘Longa Noite Fascista’ (1951 – 1974);
Livro 2 – Como vi e vivi o período da Libertinagem até à Liberdade (1974 – 1980);
Livro 3 – A difícil Consolidação da Democracia (1980 – 1990);
Livro 4 – O tempo do Desenvolvimento (1990 – 2000);
Livro 5 – O período que instigou o regresso da Crise (2000 – 2010);
Livro 6 – A oportunidade do Renascer (2010 – 2020).
Mas agora pergunta-se: porquê adiar a publicação?
Simples: como muitos intervenientes são, ainda hoje, atores e decisores políticos de relevo, atendendo ao momento ‘crítico’ que vivemos, num ano eleitoral especialmente relevante para o futuro, com o julgamento do designado ‘caso dos Comandos’ e os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito ao ‘caso de Tancos’, decidi não contribuir por agora para o ruído envolvente, na esperança de que se debata o essencial em detrimento do acessório. Que se encontrem, julguem e punam os responsáveis, para bem de Portugal e dos portugueses.
O adiamento tem o significado de ‘adiar’ e não de ‘esconder’ – pois, tal como já disse, considero que os mais de 46 anos de vida militar e de vida pública me obrigam a cumprir o dever de cidadania de dar a conhecer o que vi, li e ouvi, sempre na expectativa de revelar o caráter, as qualidades, as virtudes e os defeitos dos muitos que conheci e com quem (quase sempre) tive a honra de trabalhar; também tive de lidar com alguns ‘bons malandros’, muitos dos quais têm conseguido passar pelos ‘pingos da chuva e ainda por aí andam… Não perdem pela demora.
Com as devidas desculpas aos meus amigos que ansiavam pela ‘apetitosa’ leitura, peço que descansem, pois irei publicá-la na devida altura – que não demorará – dando a conhecer muito de bom mas também garantindo que os ‘malandros’ não permanecem na penumbra. Mas sem instintos persecutórios nem ‘ajustes de contas’ perfeitamente deslocados no tempo e nas consequências.
Não vivo ‘zangado com o mundo’.
Sou capaz de perdoar… mas não consigo esquecer.
Tento e procuro ser grato com quem julgo que o merece.
Em Nome da Verdade, com este ‘atraso’ temporário penso contribuir (embora de forma simples) para o bom ambiente, de verdade, de transparência e rigor da análise e discussão de propostas políticas a apresentar pelos concorrentes às próximas eleições.
Como disse recentemente o chefe do Estado, «que cada um pense bem se tem condições para o fazer».
Nota – Não posso deixar de expressar a minha grande preocupação com as audições de alguns oficiais generais do Exército na Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia da República, no âmbito do designado ‘caso de Tancos’.
A hipótese de ver ali acareados generais de Portugal deixa-me com a certeza de ver a instituição militar caminhar perigosamente para o abismo, para o ‘estado de calamidade’.
Perante esta possibilidade, peço a intervenção imediata e decisiva do Presidente da República (e comandante supremo das Forças Armadas), do presidente da Assembleia da República, do primeiro-ministro e do Governo, bem como dos grupos parlamentares, no sentido de evitarem que esta acareação se concretize. Instituições estruturantes do Estado, que exercem funções de soberania, devem estar – em todas as circunstâncias – acima dos homens e das suas motivações.
Bom senso exige-se.
*Major-General Reformado