França. Macron envia militares para protesto dos coletes amarelos

Os militares poderão abrir fogo se sentirem que a vida de terceiros ou as suas estão em risco

O governo francês decidiu mobilizar as forças armadas para a manifestação dos coletes amarelos em França, no que será a 19ª mobilização consecutiva do movimento. Os soldados, deslocados da operação Sentinela, implementada depois dos atentados terroristas em Paris, em janeiro de 2015, agirão sob regras estritas, mas poderão abrir fogo se sentirem que a vida de terceiros ou as suas estão em risco. 

"As ordens serão claras o suficiente para que [os soldados] não se tenham de preocupar", explicou o general Bruno Leray em entrevista, refere o site France Info. As instruções, continuou o militar, vão até aos parâmetros que lhes permitirão abrir fogo sobre os manifestantes. 

Na mesma entrevista, o general recusou que o objetivo das forças armadas é "político", referindo que a tarefa dos soldados é "continuar a luta contra o terrorismo um dia de cada vez".

Os soldados fazem parte de uma força militar anti-terrorista. "O presidente exerceu medidas de emergência para endurecer a segurança pelas forças armadas", explicou o porta-voz do Palácio do Eliseu, Benjamin Griveaux, na quarta-feira, referindo que os coletes amarelos "não são manifestantes, mas desordeiros". 

Os militares também irão ter ao seu dispor instrumentos de vigilância, como veículos aéreos não tripulados (drones) e líquido invisível a olho nu para marcar os manifestantes. As autoridades poderão desta forma deter os líderes do movimento e os elementos violentos entre os manifestantes. 

À semelhança dos gendarmes e da Brigada Anti-Criminalidade, responsáveis por manter a ordem nas manifestações até ao momento, os soldados também não receberam treino anti-motim, despoletando um debate sobre se o uso dos militares faz sentido. Os militares serão colocados nas proximidades de vários edifícios governamentais. 

Desde dezembro que o Palácio do Eliseu tem optado por lidar com os coletes amarelos com promessas, iniciativas de debate e, por fim, com mão dura. Nesta última abordagem, o presidente francês já avançou – e a Assembleia Nacional aprovou – uma lei para proibir manifestantes violentos de participarem nas manifestações, integrando-os numa lista negra, e o uso de máscaras e capacetes. Macron defendeu a lei com a narrativa de ser necessário proteger a democracia francesa de desordeiros, mas a oposição acusou-o de ameaçar um direito fundamental consagrado na Constituição francesa – o direito à livre manifestação. 

Os manifestantes serão integrados na lista negra não por ordem de instituições judiciais, mas por nomeados políticos regionais, os prefeitos. Macron tem sido acusado pela oposição e pelos coletes amarelos de querer incutir o medo nos manifestantes para que estes não saiam às ruas. Os coletes amarelos são considerados a maior dor de cabeça do Palácio do Eliseu. 

Mais de cinco mil manifestantes e 1200 polícias ficaram feridos desde que o movimento saiu às ruas pela primeira vez, a 17 de novembro do ano passado. Entre os feridos, mais de 100 manifestantes ficaram em estado grave, dos quais pelo menos 20 foram atingidos na cara por balas de borracha, disparadas pelas forças de segurança com as LBD-40. O Conselho da Europa e as Nações Unidas já pediram que as forças de segurança francesas deixem de usar esta arma nos protestos. 

No sábado passado, e depois de algumas semanas a perder força, o movimento voltou a sair à rua com redobrado vigor, com o protesto a ficar marcado por atos de violência nos Campos Elísios, na capital francesa. Lojas, restaurantes, quiosques, carros e caixotes do lixo foram incendiados e vandalizados. Nas ruas, ouviu-se repetidamente slogans como "Morte aos ricos", um claro sinal da crescente radicalização do movimento. 

A liderança inorgânica dos coletes amarelos tem desde o primeiro momento recusado a violência, mas, por causa das caraterísticas do movimento, a infiltração no mesmo durante os protestos é muito fácil. Há relatos de infiltrações de elementos tanto de extrema-direita como de extrema-esquerda, com estes a entrarem em confrontos físicos entre si durante as manifestações – há videos em que se pode ver coletes amarelos em confrontos com coletes amarelos. 

Os coletes amarelos são hoje o maior movimento social em França desde o maio de 68, tendo já ultrapassado este evento que marcou a segunda metade do século XX em termos de duração. O movimento continua a ter o apoio de 53% da população francesa, ainda que nas últimas semanas tenha vindo a perder apoio.