Argélia. Chefe dos militares afasta Bouteflika do poder

É uma tentativa dos militares para tentarem desanuviar as tensões que se vivem nas ruas argelinas há mais de cinco semanas

O presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, foi removido do cargo pelo chefe das Forças Armadas, tenente-general Gaed Salah. O anúncio foi feito numa comunicação televisiva e é o resultado de mais de cinco semanas de protestos nas ruas do país contra a recandidatura e manutenção do poder pelo chefe de Estado. 

"Devemos encontrar um caminho para sair de imediato desta crise, dentro do nosso enquadramento constitucional", disse o militar. E, continuou, a "solução está estipulada no artigo 102 da Constituição" – que define que o presidente pode ser afastado por razões de saúde e de incapacidade para exercer as suas funções constitucionais. 

Para o tenente-general, os militares e o povo argelino têm uma visão comum do futuro do país, deixando claro que o exército apoia as exigências dos manifestantes. O exército é desde a independência o pilar do regime argelino e, tendo como exemplos a queda de outros regimes na Primavera Árabe, em 2011, parece dar sinais de preferir apoiar os manifestantes em vez de os reprimir, o que poderia levar a uma guerra civil no país, à semelhança do que aconteceu na Síria de Bashar al-Assad. 

O chefe de Estado está no poder desde 1999 e nos últimos vinte anos contou com os militares para se manter à frente do destino do país. Em 2016, o parlamento argelino aprovou uma nova Constituição que limitava os mandatos presidenciais a dois, mas sem efeitos retroativos, dando a possibilidade de Bouteflika, que então cumpria o seu quarto mandato, cumprir mais dois – sete total. Em 2013, o presidente sofreu um AVC, deixando de ser visto em público – e quando o é está sentado numa cadeira de rodas. 

Antes de os militares abandonarem Bouteflika, o seu partido, a Frente de Libertação Nacional, também já o tinha feito ao deixar de apoiar o apelidado "plano Bouteflika": a realização de uma conferência nacional que definisse o futuro do país. Sob pressão dos manifestantes e com receio de perder apoio social, a liderança do partido criticou a conferência por os elementos participantes não serem eleitos. 

A situação física de Bouteflika deixou claro que o país não é governado por si, mas antes por um conjunto de elementos, tanto da Frente de Libertação Nacional como das forças armadas, nos bastidores. Bouteflika recusou inicialmente aceder às reivindicações dos manifestantes – não se recandidatar a um quinto mandato presidencial nas próximas presidenciais -, mas viu-se forçado a ceder e a garantir não se recandidatar. 

Os manifestantes entendem que o país é governado há décadas pelas mesmas figuras políticas, pertencentes à geração responsável pela independência da Argélia do colonialismo francês, em 1962. Se antes queriam apenas o afastamento de Bouteflika, com o passar das semanas as suas reivindicações evoluíram para uma reforma do regime, com o afastamento dos militares e da elite política a serem pontos fundamentais. 

No entanto, e ainda que a cedência tenha sido bem recebida pelos argelinos, as suspeitas sobre a jogada do chefe de Estado não desapareceram. Bouteflika acabou mesmo por melindrar os argelinos ao dizer que se manteria no cargo até o seu sucessor ser eleito, quando não se previa a realização de eleições no futuro próximo. A decisão foi encarada como movimentação para se manter indefinidamente no cargo e perpetuar-se no poder. 

Os manifestantes não desistiram e continuaram a sair às ruas, obrigando o exército e o partido de Bouteflika a deixarem cair o chefe de Estado. Ao mesmo tempo, o recém-nomeado primeiro-ministro, Noureddine Bedoui, tem tido dificuldade em formar um governo com elementos não ligados nem a partidos do poder nem às forças armadas. Bedoui contatou mais de 300 personalidades sem sucesso. 

A Argélia foi um dos poucos países do Norte de África que conseguiram ficar à margem da Primavera Árabe por os líderes do regime terem avançado com pequenas reformas para evitar o surgimento de manifestações e reivindicações mais radicais, como está agora a acontecer. Mais de 70% da população argelina é composta por jovens com menos de 30 anos, com os números de desemprego jovem a serem bastante elevados – cerca de 30%. Factores que estiveram, em parte, na base da Primavera Árabe.