Chefe dos militares da Argélia afasta Bouteflika do poder

Há semanas que o chefe de Estado é contestado por milhares de manifestantes nas ruas argelinas. Militares tentam salvar regime ao afastar Bouteflika, mas pode não ser suficiente.

A Argélia vive a maior crise política desde a guerra civil na década de 90. Depois de semanas de contestação nas ruas argelinas contra a recandidatura do Presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, o chefe das forças armadas, tenente-general Gaed Salah, afastou-o do poder. E, continuou, espera que um consenso entre “todas as visões e partidos” seja alcançado para se sair da crise política.

“Devemos encontrar um caminho para sair de imediato desta crise, dentro do nosso enquadramento constitucional”, disse o militar numa comunicação televisiva ao país, explicando que “a situação no nosso país é atualmente marcada por manifestações populares pacíficas, organizadas em todo o território nacional, que exigem mudanças políticas”. “A solução está estipulada no artigo 102.o da Constituição”, acrescentou. Esse artigo permite o afastamento do chefe de Estado por razões de doença e de incapacidade para exercer as suas funções constitucionais. O seu sucessor será o presidente do Parlamento, Abdelkader Bensalah, número dois na linha de sucessão, nos próximos 45 dias – até serem realizadas as presidenciais. 

Bouteflika, de 82 anos e veterano da Guerra de Independência Argelina (1954-62), está no poder desde 1999, e nos últimos 20 anos contou com os militares, o principal pilar do regime argelino, para se manter à frente dos destinos do país. Em 2013 sofreu um AVC e ficou bastante debilitado, deixando de ser visto em público – e quando o é está sentado numa cadeira de rodas, com poucas reações ao que acontece à sua volta. 

No início de março, milhares de argelinos começaram a sair às ruas e desde esse momento que todas as sextas-feiras as tomam. Houve alguns confrontos com a polícia, que disparou gás lacrimogéneo contra os manifestantes, tendo um perdido a vida. Para evitar mais derramamento de sangue, os líderes do regime deram ordens à polícia para não reprimir, controlando pacificamente as multidões.

Em causa estava a intenção de Bouteflika de se recandidatar a um quinto mandato presidencial, perpetuando-se no poder. A nova Constituição, de 2016, que teve o intuito de abrir um pouco o regime, limitou os mandatos presidenciais a dois, mas não tinha efeitos retroativos – Bouteflika podia candidatar-se a um quinto e sexto mandatos quando já estava a cumprir o quarto.

Os manifestantes entendem que o país é há décadas governado pelas mesmas figuras políticas, pertencentes à geração responsável pela independência da Argélia do colonialismo francês, em 1962, e a situação económica no país não tem melhorado – 70% da população argelina é composta por jovens com menos de 30 anos e o desemprego jovem está nos 30%. 

Nas primeiras manifestações, Bouteflika não cedeu um palmo e manteve o desejo de se recandidatar. Acabou por ceder à pressão ao adiar indefinidamente as presidenciais de abril e garantindo não se recandidatar. No entanto, declarou que se manteria no poder até um sucessor ser eleito, o que foi encarado como uma tentativa de se perpetuar no poder. 

Os manifestantes continuaram a sair à rua e, aos poucos, o Presidente começou a perder apoios. Ontem, o partido pelo qual governa, a Frente de Libertação Nacional, retirou o apoio ao seu plano para se sair da crise, o apelidado “plano Bouteflika”, que passava pela realização de uma conferência nacional que definisse o futuro do país. Por temer perder apoio social, o partido optou por criticar a conferência por os elementos participantes não serem eleitos. 

Isolado na residência oficial, o Presidente viu os avisos contra si serem cada vez mais claros, mas decidiu resistir. No início do mês, a 5 de março, o chefe das forças armadas deixou um claro aviso – encarado por observadores internacionais como ameaça – de que o exército iria fazer tudo para garantir a estabilidade e a segurança no país contra todos aqueles que desejassem levá-lo para “os anos de dor” – referência à década da guerra civil contra os jihadistas, entre 1992 e 2002. A pressão não parou de subir e, ontem, as forças armadas decidiram retirar o apoio a Bouteflika. 

 Os militares tentam desta forma evitar o aprofundamento da crise política, tendo como exemplos a queda de outros regimes durante a Primavera Árabe, em 2011, o que poderia levar a uma guerra civil, à semelhança do que aconteceu na Síria de Bashar al-Assad. 

Com a queda de Bouteflika, os militares esperam manter o regime intacto, bem como o seu poder. De manifestação para manifestação, de semana para semana, as reivindicações nas ruas foram-se radicalizando: o pedido de afastamento de Bouteflika evoluiu para uma crítica generalizada ao regime e para a exigência de os militares voltarem para as casernas e de a elite política ser substituída por uma nova geração. 

“O sistema tem de acabar. Não há razão para se resistir”, disse Belkacem Abidi, manifestante de 25 anos, à Reuters. “Estou otimista que a nossa pressão mude as coisas pacificamente”, acrescentou Noureddine Bahi, arquiteto de 52 anos.