Em artigo anterior fizemos uma radiografia da Escola Naval (EN), da Academia Militar (AM) e da Academia da Força Aérea (AFA).
Sobre essa análise, fazemos agora as seguintes reflexões:
– Segundo o PORDATA, em 2016, o rácio médio de alunos por cada docente no ensino superior português era 10.5, na Alemanha 7.6, e em França 21.
Recordemos a ‘originalidade’ dos rácios de alunos por cada docente no Ensino Superior Militar (ESM): 1.7 na EN, 4 na AM, e certamente ‘mais escandaloso’ na AFA, sobre a qual não tenho dados.
O ESM chegou a estes rácios impensáveis e inadmissíveis porque há um leque enorme de cursos que todos os anos incorporam menos de 10 alunos! São maioritariamente cursos das áreas das engenharias e da administração, precisamente aqueles que têm mais reprovações – logo, de saídas prematuras –, pelo que, frequentemente, apenas têm 1, 2 ou 3 finalistas!
– Recordamos que parte muito significativa dos cursos da área das engenharias da AM e da AFA é ministrada no IST, tem a duração de 6 anos (mais do que qualquer outro curso de engenharia ministrado em Portugal… e provavelmente no mundo); na EN é diferente, pois os cursos têm apenas 5 anos e são ministrados integralmente no seu estabelecimento de ensino – embora, ao contrário dos outros, estes ‘engenheiros’ não sejam reconhecidos pela Ordem.
– Os cursos de administração têm a duração de 5 anos, mas na AFA duram 6 anos (!), 3 dos quais decorrem no ISEG. Assaz impressionante é o facto de admitirem, praticamente todos os anos, entre 1 e 6 alunos por curso, mas não menos perturbante é que estes 3 cursos poderiam ser fundidos num só, pois são praticamente iguais. Tal não acontece, porém, porque os ramos não o admitem.
Em síntese, o Ensino Superior Militar tem cursos para ‘engenheiros’ e ‘administradores’ mais longos do que os seus congéneres civis — e, invariavelmente, forma pouquíssimos alunos, aos quais afeta um corpo docente numeroso!
Seremos um país rico ou apenas displicente?
Quando se porá cobro a este escândalo?
Desde a década de 90 do século XX que EN, AM e AFA dispõem de vagas para o Mestrado de Medicina, mas a AM também dispõe de vagas para os Mestrados Integrados em Medicina Dentária, Medicina Veterinária e Ciências Farmacêuticas.
Apenas ministram ‘formação militar complementar’, pois quem confere o grau académico é a Universidade de Lisboa e a Universidade Nova de Lisboa, onde os Cadetes frequentam as aulas desde o início até ao final de cada um dos cursos.
Até 2016, o Exército exigia que todos os cursos da área de saúde agora mencionados tivessem mais um ano de duração, pois os Cadetes destes cursos, antes de irem para as universidades civis, tinham uma (sólida, mas longa) formação militar e comportamental, que decorria integralmente na AM e lhes permitia conhecerem os seus camaradas de armas e receber a ‘cultura’ da instituição militar.
Esta vantagem é hoje amplamente reconhecida por todos, ainda que o curso seja considerado demasiado longo, podendo a formação militar ser repartida, com vantagem, ao longo dos anos, por exemplo, pela participação em exercícios mensais e/ou finais.
Como a Marinha e a Força Aérea não queriam ‘ficar para trás’, para serem competitivos — uma vez que só anos mais tarde passaram a ter vagas para o curso de Medicina –, decidiram adotar a duração normal dos cursos civis, abdicando na prática de uma sólida formação militar e comportamental. Afirmarão sempre que não o fizeram, pois conferem uma ‘formação militar complementar’, mas esta, como é do conhecimento geral, não é suficiente.
Face à decisão dos outros ramos, também o Exército decidiu pôr cobro ao primeiro ano de formação militar, adotando uma solução semelhante à da ‘concorrência’.
O resultado é assim insuficiente e institucionalmente deprimente: os Cadetes dos cursos das medicinas e ciências farmacêuticas não conhecem os restantes Cadetes da EN, AM ou AFA (nem são conhecidos). Vêem-se esporadicamente. E, com toda a certeza, os laços de amizade, cumplicidade e camaradagem que os unem são bastante mais ténues do que aqueles que os ligam aos colegas das universidades que frequentam.
Um dia virá em que, numa consulta médica, se encontrarão camaradas do mesmo ano da AM, EN ou AFA — mas não se recordarão uns dos outros, pois viram-se meia dúzia de vezes ao longo da vida, em atos ‘sociais’. Este presságio pode parecer exagerado, mas vai acontecer… e mostra que o modelo não serve.
Atualmente as vantagens destes cursos são meramente individuais, não se vislumbrando quais são as institucionais. Os Cadetes pretendentes a estes cursos, com notas de acesso geralmente mais baixas (embora se sujeitem a provas adicionais), concluem cursos bastante caros sem terem de desembolsar um cêntimo, tendo vencimento e descontando para a Segurança Social por antecipação.
Não vemos qualquer razão para se continuar a insistir neste tipo de cursos no ESM, pelas razões já enunciadas mas também porque já se formam médicos, médicos dentistas, farmacêuticos e veterinários em número suficiente para as necessidades do país. Logo haverá que refletir e… decidir.
Se a instituição militar pretender continuar com estes cursos, então que regresse ao modelo que a AM implementou inicialmente, mas depois abandonou devido à ‘concorrência dos ramos’, pois esse primeiro modelo provou, bastando para tal frequentar o HFAR e falar (ouvindo) com os profissionais que hoje lá servem.
A multiplicidade de cursos e centros de investigação do Instituto Universitário Militar, de que falámos há uma semana, conjugada com as exigências da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, e a inexistência de um número adequado de docentes qualificados com o grau académico de Doutor, tem conduzido o ESM a uma encruzilhada.
Dessa encruzilhada – e, como sempre, Em Nome da Verdade – escreveremos num próximo número, apresentando uma possível saída.
*Major-General Reformado