Câmara questiona licenciatura de ambientalista

Nuno Oliveira, histórico ambientalista do Porto, avançou com dois processos judiciais contra a Câmara de Gaia, onde é técnico superior. Autarquia, por seu lado questiona a forma como se licenciou em Bordéus e conseguiu as equivalências em Portugal.

O clima de tensão na Câmara Municipal de Gaia não é de agora, com alguns funcionários a acusar o presidente de perseguição. Mas do lado da autarquia também tem havido queixas e uma delas prende-se com o percurso académico de um atual técnico superior. Em causa está o antigo presidente do Parque Ecológico de Gaia. Nuno Oliveira foi exonerado em 2016 do cargo de diretor do Departamento de Ambiente da câmara e desde aí que muitas dúvidas têm sido levantadas oficialmente sobre a sua licenciatura, mestrado e doutoramento.

O SOL sabe que a autarquia já pediu inclusivamente informações académicas às universidades de Évora e Coimbra sobre este funcionário que no ano passado colocou a autarquia em tribunal queixando-se de assédio moral e pedindo a anulação da ordem de serviço que ordenou a sua saída do Parque Ecológico.

Nuno Oliveira obteve em 1995 um mestrado da Universidade de Évora em Ecologia Humana por equivalência de um curso que havia feito anos antes na Universidade de Bordéus – nesta altura não tinha ainda licenciatura. É mais tarde, já em 2014, que obtém o grau de licenciado (em Biologia), também em Bordéus, sendo o reconhecimento da licenciatura feito pela Universidade de Coimbra meses mais tarde. Apesar de ter ‘tirado’ a licenciatura em Bordéus nunca pediu licença à câmara para se ausentar do trabalho e ao SOL justifica que tal aconteceu porque fez a maioria do trabalho a partir de Portugal. Ainda antes do reconhecimento da licenciatura por Coimbra, havia concluído, em fevereiro de 2014, o doutoramento em Biologia também na Universidade de Coimbra.

Ao SOL, Nuno Oliveira explicou que na sua licenciatura beneficiou de um regime que permitia na Universidade de Bordéus usar créditos do curso feito nos anos 90 – o mesmo que já tinha sido usado em Portugal para obter equivalência a um mestrado.

O que dizem as universidades sobre o percurso académico

Contactada a Universidade de Bordéus sobre a veracidade e a regularidade dos diplomas, foi respondido que «sem o consentimento do aluno», não podem ser feitas pesquisas. Os restantes contactos feitos, inclusivamente com a direção daquele instituição, não surtiram qualquer resposta.

Já a Universidade de Évora preferiu responder sem falar do caso em concreto: «Nos termos do art.º 7º do Decreto-Lei nº283/83, de 21 de junho, poderão ser declarados equivalentes ao grau de mestre pelas Universidades Portuguesas os graus de idêntica natureza obtidos em Universidades estrangeiras. De acordo com o nº1 do artº 2º do mesmo normativo: ‘As equivalências concedidas ao abrigo deste diploma têm o valor e produzem efeitos correspondentes aos da titularidade dos graus ou diploma a que foram concedidas.’ A deliberação de concessão da equivalência ao grau de mestre é da competência de júri nomeado por despacho do Reitor e publicado em Diário da República nos termos estipulados no artº 9º do referido normativo». Referem ainda que o pedido de equivalência nestes casos é dado ao grau de mestre e não disciplina a disciplina.

Do lado da Universidade de Coimbra a resposta também foi abstrata, invocando o Regulamento Geral de Proteção de Dados: «No âmbito dos processos de candidaturas a ciclos de estudo, a Universidade de Coimbra verifica os requisitos de admissão aos mesmos, bem como a autenticidade dos documentos entregues. Assim, num processo de candidatura a um doutoramento, a Universidade de Coimbra verifica se o/a candidato/a reúne as condições definidas no artigo 30.º do Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de março (ou posteriores republicações)».

A universidade acrescentou ainda que «relativamente às creditações de formação realizada em Instituições de Ensino Superior, estas ocorrem na Universidade de Coimbra de acordo com a legislação – sendo que, nos doutoramentos, essa creditação ocorre na parte letiva, caso exista».

O certo é que o próprio ambientalista assumiu ao SOL que o seu percurso não foi linear. E, além disso, admitiu numa resposta a um ofício de 2018 em que a autarquia colocava em causa o seu percurso académico e profissional que poderá ter existido «alguma irregularidade» na sua progressão de carreira há 20 anos, aquando da obtenção do grau de mestre, adiantando aos serviços da câmara que tal irregularidade «não só já [tinha prescrito], do ponto de vista do Código do Procedimento Administrativo, como já [estava] convalidada pelo artigo 55.º da lei geral do trabalho em funções públicas».

Os argumentos do histórico ambientalista do Porto

Contactada pelo SOL na última quinta feira a Câmara Municipal de Gaia não enviou qualquer resposta até à hora de fecho desta edição. Já Nuno Oliveira reforçou que as dúvidas que o município tem levantado sobre o seu percurso académico são apenas mais um episódio da perseguição de que tem sido alvo.

O primeiro curso que tirou em Bordéus, diz, era considerado uma licenciatura em França, mas em Portugal era equivalente a um mestrado, que lhe foi concedido quando, reconhece, ainda nem tinha licenciatura. «Depois, em 2014, é que fiz em Bordéus a licenciatura em Biologia, chama-se Ambiente e Saúde pública, menção Biologia e a essa é que pedi registo na Universidade de Coimbra», disse, adiantando que «na autarquia têm o processo concreto até porque quando [concorreu] a diretor municipal [teve] de o apresentar tudo»: «Isto é pura difamação».

Reiterando que foi alvo de assédio moral e que avançou para tribunal a pedir uma indemnização – ainda que, afirma, esteja mais interessado numa negociação do que no dinheiro – diz que a ordem de serviço que o retirou do parque biológico não está bem fundamentada, o que diz ter dado origem ao outro processo – que tem julgamento marcado para 18 de junho. 

Nuno Oliveira não põe de parte avançar uma terceira vez para a Justiça: «Arriscam-se a uma ação por difamação. A câmara não devia nem podia fazer isso [questionar as universidades], uma vez que tem documentos autênticos na sua posse».

E assumiu também não ter pedido à câmara qualquer licença para fazer a licenciatura que concluiu em Bordéus em 2014: «Fui lá várias vezes, aproveitando férias, fui lá várias vezes. Fiz os trabalhos que tinha de fazer cá. Havias disciplinas como Genética que fiz o trabalho cá». Já sobre a duração da licenciatura disse ao SOL não se recordar. 

E também critica a visão de que seria preciso ser licenciado para obter um mestrado. «Pedir o grau de licenciatura para o grau de mestre é um disparate. Daí para a frente fiz o doutoramento na Universidade de Coimbra e até convidei o senhor presidente de autarquia (ainda falava com ele) para ir assistir à apresentação da minha tese, mas ele não foi», disse adiantando que depois disso é que viu reconhecida a licenciatura: «É um percurso académico anormal? Estamos de acordo que é. O normal é primária, secundário, universidade. Eu fiz um percurso um bocado enviesado».

«Estudei na Universidade de Aveiro, mas deixei com o 25 de Abril. Em 93 abre o parque Ecológico e não posso estudar, só que depois a determinada altura que era preciso uns diplomazecos para poder evoluir, para ganhar mais e é por isso que me agarro a esse certificado de Bordéus e vou por aí fora. Mas também foi por conhecimento, agora mesmo depois desta trapalhada toda eu continuo a estudar, estou a fazer o pós-doutoramento na Universidade do Porto, não sei se vão também pôr em causa a Universidade do Porto, onde o presidente da câmara é professor», justifica.

«Isto não serve para nada é uma vingança», conclui.