A conquista de Pratas. Charlots há muitos

Na rua António Maria Cardoso, onde outrora existiu o magnífico Chiado-Terrasse, uma placa comemorativa recorda o primeiro filme cómico português, Pratas Conquistador. O seu autor e ator foi Emygdio Ribeiro Pratas. Mete bofetadas a esmo, empurrões, cabeçadas e cambalhotas de um homenzinho de chapéu de coco e de bigodinho inconfundível.

Chiado Terrasse! Com ponto de exclamação. Inaugurado em 21 de Novembro de 1908 na que se chamava, então, Rua do Tesouro Velho e se tornou, mais tarde, António Maria Cardoso, ali ao Chiado, como está bem de ver. Um luxo! Instalações amplas, programas variados e um moderníssimo animatógrafo falado. Os cartazes publicitários estalavam de orgulho: «O salão cinematographico mais amplo commodo e elegante de Lisboa! Às sextas soirée elegante! Todas as noites concertos. Aos domingos – matiné!».

Um jornal noticiava com pundonor: «Grande salão cinematographico. A inauguração d’este magnífico salão cinematographico falado, para o qual foi contractada uma excellente companhia dramatica, composta de artistas de varios theatros, tem estreias todas as noites».

A rua António Maria Cardoso ganhou, entretanto má fama por aí estarem centrados os antigos serviços da PIDE. Agora, tem uma placa comemorativa: «A 10-7-1917, no antigo cinema Chiado-Terrasse, estreou a fita excêntrica Pratas Conquistador, do autor-intérprete Emygdio Ribeiro Pratas, considerado o primeiro filme cómico português». Era aqui que queria chegar.

Tal como os chapéus d’A Canção de Lisboa, Charlots houve muitos, apesar de Chaplin ter sido único. O facto é que a figura ridícula do homenzinho de fato coçado, sapatos rotos e grandes demais, cintura amarrada quase junto ao peito, chapéu de coco e bengala, foi uma espécie de boneco utilizado por muitos cómicos do início do cinema mudo, tal como o francês Max Linder, o espanhol_Cardo ou o escocês Billie Ritchie, o ídolo de um empregado do Chiado_Terrasse chamado Emygdio Pratas que, depois de ter assistido às filmagens, em Lisboa, de Uma Conquista de_Cardo as_Charlot no_Jardim Zoológico de Lisboa, de Ernesto de_Albuquerque, não descansou enquanto não convenceu o patrão,_Alberto do_Valle Colaço, a apostar numa película realizada e interpretada por si. E, desta forma, veio ao mundo Pratas Conquistador, um homenzinho trapalhão, de calças às riscas (horizontais!), de casaca e bigodinho inconfundível.

Emygdio concluiu a sua obra em 24 horas. Ernesto Albuquerque pegou na câmara. Pratas sai de casa mas vê-se aflito para abrir a porta. Com o esforço cai para cima de um homem e começam à chapada. Desce a rua a coxear, lança piropos às senhoras e recebe uns tabefes em troca do atrevimento. O filme vai por aí fora e quem conta as peripécias é Paulo M. Morais, o autor do livro Pratas_Conquistador – A História Desconhecida de Um Charlot Português, sobrinho-bisneto do próprio Emygdio e pelo qual desenvolveu uma ligação de intensa curiosidade. De súbito, parece que recuo às páginas de A Misteriosa Chama da Rainha Loana, de Umberto Eco. Um homem e o seu baú. Um homem e as memórias que não tem mas gostava de ter. Morais quer saber. Vê o filme na Cinemateca, percebe que é o responsável por ele por via de um parentesco que deixou de ter intermediários. À sua frente, Pratas dá saltos e pinotes, é perseguido pela polícia, faz um duelo com bengalas a imitar espadas. «Contabilizeim, com tracinhos verticais, o número de cambalhotas, tabefes, cabeçadas, empurrões, salamaleques, sapatos arremessados…».

Se isso não é Charlot, o que é Charlot? Neste caso é Emygdio Ribeiro Pratas, o primeiro português a realizar e interpretar um filme cómico. Ainda bem que não foi esquecido.