Há, efetivamente, quem tenha um «coração de ferro», ou assim nos parece, porque há pessoas capazes de suportar todas as agruras, sem que isso as afete demasiado; há quem seja indiferente ao sofrimento alheio, não se sensibilizando com aquilo que os outros estão a sentir. Mas há, também, quem sinta empatia pelos outros e sofra constantemente por aquilo que lhes acontece, da mesma forma que sente tudo aquilo que sucede na sua vida. Trata-se de sensibilidades diferentes, de formas de viver e sentir distintas.
Mas, a empatia não implica forçosamente sentir o mesmo que os outros, até porque a nossa solidária tristeza em nada os ajuda. Diz Tolentino Mendonça em O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas: «O grito do que sofre chega-nos frequentemente sem palavras: o silêncio indefeso diz tudo, estando a vida mais nua ainda do que é habitual, o olhar ferido pela adversidade». É aí que a nossa atenção, a nossa solidariedade se torna «escuta, consonância, responsabilidade, escolha solidária, gestos, permanência». E, nesta relação, importa saber que «Uma coisa é sofrer com o outro, outra é sofrer em vez do outro ou projetando-se nele. Compadecer-se significa sofrer o sofrimento do outro enquanto outro. Não se trata de uma simbiose. Sabemos que não nos cabe curar, mas que tão ou mais importante do que a cura é estarmos presentes». A presença, salvadora e vivificadora, de um ombro amigo, de um abraço solidário. Como diz Alexandre O’Neill: «”Amigo” é um sorriso / De boca em boca, / (…) / Um coração pronto a pulsar / Na nossa mão!».
Ora, a presença real é fundamental para não nos sentirmos tão sós na nossa dor, porque, nas palavras de Ramos Rosa, «estar só é estar no íntimo do mundo». É, pois, essa presença que, atualmente, substituímos pela presença virtual. Desacompanhados, na nossa solidão interior, a «presença» à distância de um outro, que se revela solidário com os nossos sentimentos, acaba por ser a realidade alcançável que nos garante a segurança de podermos sofrer em companhia, de nos sentirmos escutados, e que nos dá a ilusão de nos sentirmos amados.
É porque os nossos corações são, na realidade, de carne e sangram que necessitamos dos outros, que nos sentimos valorizados, naquilo que revelamos e, por vezes, naquilo que procuramos ocultar, porque os verdadeiros amigos intuem quando estamos a representar uma máscara social ou a ser nós próprios e, confrontando-nos com as nossas limitações ou ilusões, obrigam-nos a voltar a nós mesmos, à nossa essência.
Aqueles que têm um coração de ferro, procurando esconder as suas fragilidades, constroem uma «persona» rígida, quase insensível, que não se deixa vulnerabilizar pelo que de bom ou de mal lhes acontece. De tanto acreditarem que assim é, convencem os outros da sua extrema solidez, da sua inabalável capacidade para tudo enfrentar e tudo aguentar, sem qualquer ponto de fraqueza ou debilidade.
Como com qualquer tipo de exagero, o extremo acaba por não ser uma boa estratégia, porque o que importa é o equilíbrio, para que possamos ser o que realmente somos e deixemos os outros estar…