Caravelas vão voltar às torres do areeiro

Desapareceram no topo das torres da praça que tem hoje o nome de Sá Carneiro ainda nos idos anos 70 do século passado. E nunca mais ninguém soube do seu paradeiro. Passados 50 anos, as naus vão voltar a pontificar nos telhados das torres do Areeiro, como na sua origem. 

Quem passe na Praça Francisco Sá Carneiro, em Lisboa, de carro, transportes ou em passo apressado, dificilmente repara que as simbólicas torres localizadas nos números 247 e 260 da Avenida Almirante Reis não têm as caravelas que originalmente as adornavam no topo. Mas quem mora na freguesia não as esquece e, agora, graças à ação de um grupo de moradores, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) prepara-se para devolvê-las àquela praça, também conhecida como Areeiro.

Foi em 2016 que o grupo Vizinhos do Areeiro procurou, pela primeira vez, esclarecimentos junto da CML. Sem resposta, insistiram. 

Só este ano, contudo, é que a autarquia pareceu dedicar-se a sério ao assunto. No dia 28 de março, o gabinete de Urbanismo da autarquia, presidido pelo arquiteto Manuel Salgado, encaminhou ao grupo de moradores uma resposta, remetendo uma carta dirigida pela autarquia à administração do condomínio da torre do número 247 dez dias antes, em 18 de março. «Tendo constatado há já algum tempo o desaparecimento da Caravela (Nau) anteriormente colocada no topo da torre do vosso imóvel, e sendo que nas peças desenhadas dos processos anteriormente licenciados ele figurava, pretendemos saber qual o motivo da sua retirada e quando será possível a sua reposição», lia-se na carta. 

Entretanto, em 30 de abril, o Centro de Atendimento ao Munícipe remeteu aos interessados uma carta na qual o vereador Manuel Salgado determinava «a realização dos trabalhos necessários para a reposição dos elementos removidos da fachada dos prédios da Praça Francisco Sá Carneiro, conjunto arquitetónico classificado» e impondo que a construção das ditas caravelas seja feita em ferro forjado.

Carta aberta à procura das caravelas

Mas quando é que os moradores da freguesia deram pela falta das caravelas? Ao SOL, Rui Martins, fundador do núcleo Vizinhos do Areeiro – que pertence à associação Vizinhos de Lisboa -, recorda que «foi em 2016, quando um morador chamou a atenção para a ausência das caravelas». Rui Martins nunca se tinha apercebido, mas consultou algumas fotografias que confirmaram o alerta do morador. 

Foi então que, na altura, decidiram colocar «nas portas dos condomínios onde estariam as caravelas uma carta aberta, questionando sobre a localização das mesmas e o porquê de não serem repostas», conta.

Sem feedback, decidiram então recorrer à autarquia, que agora «intimou os proprietários  a recolocarem as caravelas de acordo com o projeto», explica Rui Martins. Inicialmente, continua, «a autarquia não encontrou o projeto no seu arquivo, mas no arquivo do arquiteto na Fundação Calouste Gulbenkian conseguiram encontraram uma cópia, na qual são visíveis as caravelas, e enviaram para os proprietários, perguntando porque é que o projeto não estava a ser cumprido», como mostra a primeira comunicação enviada pela CML aos Vizinhos do Areeiro. «É um conjunto arquitetónico classificado e é obrigatório manter o projeto», defende o morador.

Em resposta, recorda Rui Martins, «um dos proprietários justificou que parte da caravela tinha caído, estava danificada e tinha guardado a outra parte. O proprietário do outro prédio não respondeu. Suspeitamos que, ao ver a outra torre sem caravela, o proprietário optou por removê-la».

Um desaparecimento  por explicar

Prometida a recolocação das caravelas, um dos maiores mistérios desta história continua por explicar: quando terá tudo acontecido? «Há fotografias que se encontram no Arquivo Municipal de Lisboa que mostram as caravelas no topo – são da década de 40 e 50, quando a praça ainda tinha o escudo de Portugal com as quinas ao centro. Depois, há uma fotografia a cores que parece da década de 70, antes da Revolução, em que os edifícios ainda têm as caravelas», elucida Rui Martins. «Os moradores daqui, aliás, lembram-se de ver as caravelas na década de 70, mas depois desapareceram: há fotografias da década de 80 em que já não se veem caravelas. Algures nessa década terão desaparecido», suspeita.

Apesar da dúvida, o morador aplaude o desfecho, defendendo  valor da praça: «A praça do Areeiro representa o apogeu do plano de construção de Alvalade e do Areeiro. Insere-se numa zona de construção de excelência – é uma das melhores zonas de construção urbanística integrada de Lisboa, além da Expo, que é muitíssimo mais recente».

Um história de décadas

A Praça Francisco Sá Carneiro não se chamou sempre assim. 

Foi inicialmente batizada de Praça do Areeiro e a sua construção foi aprovada a 30 de dezembro de 1943. À data, Duarte Pacheco era ministro das Obras Públicas e Comunicações, cargo que acumulava também com a presidência da CML. Entre outras, o Bairro do Areeiro foi uma das zonas da cidade que foi planeada durante a tutela de Duarte Pacheco, empenhado na missão de expandir a cidade, que o eternizou além da sua morte.

O bairro foi planeado pelo arquiteto e urbanista João Faria Costa, mas as torres da Praça do Areeiro – cujo conjunto é, hoje, apontado como uma das construções exemplificativas do Português Suave, estilo arquitetónico que marcou o Estado Novo –  ficaram a cargo do arquiteto Luís Cristino da Silva, «por se quererem particularmente emblemáticas», recorda a exposição da CML na carta enviada em 30 de abril aos Vizinhos do Areeiro .

O arquiteto desenvolveu um anteprojeto entre 1941 e 1943, mas «o projeto de execução foi finalizado em 1949», tendo a construção do conjunto ficado concluída apenas «em 1955, depois de definido o desenho final da torre central entre 1951 e 1952».

No topo dos torreões, que tinham inspiração medieval, o autor colocou então um dos símbolos da cidade – a nau -, não apenas como elemento decorativo mas com um objetivo prático: servir de cata-vento, indicando a direção do vento, no alto, à vista de todos.

Caravelas desaparecidas, mas não só…

No geral, o património arquitetónico da freguesia «tem sido bem tratado», mas a praça nem por isso, o que tem levado os moradores a reclamar de diversas situações. O que é lamentável, na visão de Rui Martins, porque «a praça é tão simbólica que é o logótipo da Junta de Freguesia do Areeiro: um círculo com cinco vias», referentes às cinco estradas que partem da praça, explica ao SOL. «É uma praça que tem sido abandonada», continua. Um dos problemas é «o estado do piso, que não está adequado», começa por dizer Rui Martins. Mas não só: «Temos dois cais do Metro que estão fechados desde 2008, as obras vão a meio. Onze anos depois, garantem-nos que a obra vai recomeçar em agosto deste ano», revela. Outra queixa é o monumento no centro da praça, que «começa a expor fissuras e já são visíveis ervas. Não só é feio, como com o tempo as fissuras correm o risco de ficar mais graves», alerta Rui Martins. O morador destaca ainda o facto de a praça ter sido invadida por cartazes de propaganda política. «Quantos votos trazem estes cartazes?», questiona. B.D.C.