Reino Unido. Embaixador ‘atirado para baixo do autocarro’

O embaixador britânico nos EUA demitiu-se por chamar a Trump ‘inepto’. May defende que os embaixadores devem poder dar opiniões honestas.

Se o papel de um embaixador é dar «uma visão honesta e não envernizada» do Governo do país anfitrião, como afirmou um porta-voz de Theresa May, o veredicto do embaixador do Reino Unido no Estados Unidos, Kim Darroch, não podia ser mais condenatório acerca de Donald Trump. O facto do Presidente norte-americano ter sido chamado de «inepto», «inseguro» e «incompetente» por Darroch, em emails enviados a Downing Street, e revelados pelo Daily Mail, deu manchetes internacionais. Para lá do espetáculo mediático, o que fica do escândalo é a demissão de Darroch, a memória do candidato favorito a primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ter «atirado [Darroch] para debaixo do autocarro», segundo o ministro para a Europa, Alan Duncan.

Como seria de esperar, Trump não ficou nada agradado com os emails de Darroch. Se a relação entre os dois começou de modo alegre – «vais ser uma estrela de televisão!», prometeu Trump, depois de ver uma entrevista do embaixador na Fox News, noticiou o Politico -, o Presidente não hesitou em chamar a Darroch «um tipo estúpido», acrescentando que não passava de «um tolo pomposo».

Contudo, não seria essa a opinião de membros do circulo próximo de Trump – como o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, ou a conselheira Kellyanne Conway – que frequentava assiduamente as festas dadas por Darroch. Eram «o sítio para ver e ser visto», segundo os correspondentes do The Guardian. Os mais atingidos pela caída em desgraça do embaixador «são a miríade de conselheiros de Trump que iam às festas de Darroch e às refeições privadas (e que o convidavam para as suas festas)», twittou a jornalista do New York Times, Maggie Haberman. Ainda assim, todo o networking do embaixador britânico foi atirado pela janela com a revelação dos emails. «A situação atual torna impossível que continue a levar a cabo o meu papel como gostaria», lê-se na sua carta de demissão.

Soberania Trump também não poupou críticas ao Executivo de Theresa May – que nunca abandonou a defesa do seu representante. «Ele [Darroch] devia falar com o seu país e com a primeira-ministra [Theresa] May sobre a sua negociação falhada do Brexit», escreveu no Twitter, mencionando: «Eu disse a Theresa May como negociar esse acordo, mas ela insistiu na sua maneira tonta». 

Quase todo o espetro político britânico se insurgiu contra o tratamento dado ao seu Governo e ao seu representante. Desde o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn – que considerou os comentários feitos sobre Darroch «para lá de injustos e errados» – até May, que reagiu à demissão do diplomata notando que «bons Governos dependem de que os funcionários públicos possam dar conselhos honestos e de fundo». A exceção notável foi Boris Johnson, que, durante o debate entre candidatos à liderança dos conservadores, recusou tirar de cima da mesa a possibilidade de despedir o embaixador britânico. 

No dia seguinte, perante a tempestade de críticas, Johnson acabaria por se afirmar «um admirador de longa data de Kim Darroch». Contudo, questionado pelo Politico sobre as críticas de Trump à «tola» política da primeira-ministra britânica, não resistiu a responder, entre risos: «Não posso discordar disso». O candidato conservador – que raramente se coíbe de denunciar supostas ameaças à soberania britânica – reconheceu: «Não quero outras pessoas a dizer-nos o que fazer». Mas acrescentou: «Se me perguntar se as negociações do Brexit foram levadas a cabo de modo brilhante, penso que não». 

Sucessor Na casa de apostas PaddyPower já se arrisca dinheiro no nome do próximo embaixador britânico nos Estados Unidos. O favorito, com uma odd de três para um, é o líder do Partido do Brexit, Nigel Farage. Que – apesar de admitir não ser um diplomata – garantiu: «Sou o homem certo para ajudar a forjar uma relação mais próxima em termos de serviços secretos, segurança e comerciais com uma administração que contém amigos meus». Farage sempre foi muito próximo de um antigo conselheiro da administração Trump, Steve Bannon, fundador do site de extrema-direita Breitbart – que tem tentado afirmar-se como o articulador dos nacionalistas europeus. 

A sugestão de Farage foi rejeitada liminarmente por Downing Street, mas poderá ser vista com melhores olhos pelo sucessor de May. Especialmente se o sucessor for Johnson, que partilha muitas das posições do líder do Partido do Brexit, em particular com a sua sugestão de que «é tempo de colocar [como embaixador] um não-remainer que queira um acordo comercial com a América». Há muito que conservadores eurocéticos como Johnson defendem o Brexit como uma maneira de libertar a política comercial britânica das amarras da União Europeia, sonhando com novos acordos comerciais – em particular com as antigas colónias do império britânico. 

Quem ficaria muitíssimo entusiasmado com a nomeação de Farage seria certamente Trump, que já em 2016 twittou: «Muitas pessoas gostariam de ver Nigel Farage representar a Grã-Bretanha como embaixador nos Estados Unidos. Ele faria um ótimo trabalho!». Na altura, Johnson – então ministro dos Negócios Estrangeiros – respondeu ao Presidente dos EUA que «não há nenhuma vaga para essa posição».

Fuga de informação Para lá de toda a disputa política, um mistério que está por descobrir é como é que os emails do embaixador chegaram ao Daily Mail. Na própria notícia em que revela a informação, o jornal reconhece que a fuga «é extremamente incomum e levanta novas questões quanto à moral da função pública». A polícia já terá sido envolvida nas buscas ao responsável, que se estarão a focar na possibilidade de que se trate de «alguém dentro do sistema», dado que até agora não há indícios de que se tenha tratado de uma invasão informática, segundo Alan Duncan. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, avisou que o responsável enfrentará «consequências muito sérias», podendo ser condenado a uma pena de até dois anos de prisão, de acordo com a Lei do Segredo de Estado. 

Por agora, a hipótese do «envolvimento de um Estado hostil ainda não foi eliminada», afirmou uma fonte do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao The Times. O que não falta são países interessados em minar as relações entre os Estados Unidos e os seus aliados.