Visita de Trump a Portugal resulta do esforço para melhorar a posição nacional

Miguel Monjardino analisa os contornos políticos e estratégicos da possível vinda de Donald Trump ao país.

Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, poderá fazer uma visita de Estado a Portugal no final de agosto, de acordo com o que avançou a TVI na sexta-feira. Será a primeira visita oficial de um Presidente norte-americano desde 1985, altura em que Ronald Reagan fez um discurso na Assembleia da República. Em tempos de guerra comercial com a China, Trump virá discutir temas económicos e de segurança, como por exemplo, a possibilidade de investimento norte americano no porto de Sines e a base das Lajes. Para Miguel Monjardino, especialista em geopolítica da Universidade Católica Portuguesa,   esta visita resulta do interesse português em aproveitar a competição económica entre China e EUA.

“Portugal tende a ser um pormenor em Washington, DC. A possível visita de Donald Trump a Lisboa é um sinal do interesse, mas também da preocupação, da Casa Branca em relação ao nosso país. Washington olha para a sua estratégia nacional do ponto de vista energético, tecnológico e comercial. As suas suspeitas em relação à China e aos seus investimentos em Portugal são públicas”, explicou o professor. Monjardino espera que Portugal esteja a prestar atenção ao embaixador norte-americano, George E. Glass, um antigo banqueiro de investimento, em todo este processo que poderá trazer Trump a Portugal: é “o canário político da relação luso-americana”, descreve. “Espero que esteja a ser ouvido com a devida atenção”.

Monjardino adianta ainda que a visita de Trump a terras lusas tem também um sentido geopolítico. “O Pentágono está também preocupado com a situação que vai do norte de África  ao Golfo da Guiné e à procura de contribuições dos seus aliados para a segurança e defesa no Atlântico norte”.

Segundo o professor de Relações Internacionais, Portugal tem tido um problema de acesso ao processo de decisão político norte-americano. E nota, ironicamente, que essa situação tenha vindo a melhorar com Trump: “Um Presidente muito controverso nos países da Europa virada para o Atlântico”.

 O porto de Sines é um ponto estratégico para Portugal, onde entra um terço do gás liquefeito exportado pelos Estados Unidos para a Europa. Tanto é que, Marcelo Rebelo de Sousa, numa intervenção em inglês na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, fez questão de salientar aos norte-americanos, em jeito de provocação, que “os chineses têm sempre um ministro a visitar Sines, quase todos os meses”.

O empenho diplomático, desde o convite de Marcelo o ano passado, para que Trump visite Portugal e a cartada do Presidente (que os chineses estão sempre em Sines) terá que ver com a tentativa de “aproveitar a crescente competição entre os EUA e a China para manipular Washington e Pequim na defesa dos seus interesses”, diz Monjardino. Uma estratégia de “manipulação” que só terá sucesso, analisa o especialista, caso Lisboa faça uma “avaliação realista dos seus interesses nacionais e dos meios que temos ao nosso dispor. Portugal não pode esquecer que tem uma área atlântica muito grande”. 

O porto de Sines, segundo explica o professor, é o “sonho geopolítico português há várias décadas”. E o facto de Portugal não ter sido incluído nos planos iniciais para a nova Estrada da Seda da China levou Portugal a “tentar persuadir Pequim a mudar de ideias”, jogando entre os meandros da guerra comercial para fortalecer a posição nacional. 

Monjardino nota que, embora se fale hoje muito de competição entre as grandes potências, há uma tendência para esquecer que “os países  médios e pequenos são perfeitamente capazes de pensar e agir estrategicamente”. E, por isso, o convite de Marcelo há um ano e a alegada visita de Trump “é o resultado de todo este processo”. Faz parte “de uma opção política de ganhar espaço entre os EUA e a China para tentar melhorar a posição nacional num novo ciclo da política internacional”, conclui Monjardino.