Brasil. Bolsonaro aperta o cerco às populações indígenas

O assassinato de um líder Wajãpi no final de julho apavorou as populações indígenas e a comunidade internacional, lançando para as manchetes o risco de extermínio. Invasões de garimpeiros aumentaram desde que Bolsonaro tomou o Planato e o Presidente não parece querer recuar no objetivo de enfraquecer o pouco poder que estes povos têm.

Nunca um Presidente brasileiro tinha declarado os indígenas como um dos seus principais inimigos como Jair Bolsonaro. A tensão entre quem quer explorar a maior floresta do mundo, que dá um quinto do oxigénio respirado no planeta, vai muito além do atual líder de Governo brasileiro. O Presidente é apenas a expressão política de uma animosidade contra os indígenas há muito interiorizada no seio de várias camadas da sociedade brasileira, que agora têm toda a visibilidade no Planalto. Em contrapartida, proteger as comunidades indígenas que vivem norte a sul do país sul americano é o mesmo que defender o pulmão do planeta. 

«Bolsonaro inaugura um discurso de violência deliberada e assumidamente anti-indígena, que nem a ditadura militar se atreveu a ter», definiu ao b,i.  o realizador português João Salaviza, autor do filme Chuva é Cantoria dos Mortos, que retrata a vida dos Krahô, comunidade indígena no Brasil.

O assassinato do Emyra Wajãpi, líder da comunidade Wajãpi, no passado dia 24 de julho, alegadamente às mãos de garimpeiros, apavorou os indígenas e a comunidade internacional para o risco de extermínio sob o comando de Bolsonaro. 

A carreira política de Bolsonaro foi uma construção de quase três décadas até conseguir chegar ao Planalto. As suas conhecidas tiradas contra o «politicamente correto» foram especialmente perversas contra os povos indígenas. «Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios», confessou Bolsonaro, então deputado federal, ao Correio Braziliense, em 1998. 

O anos passaram e o agora chefe de Estado não mudou a sua forma de pensar, especialmente em relação aos índios. Na campanha para as eleições presidenciais, Bolsonaro foi delineando o plano que tinha para as reservas indígenas. Para ele, os territórios dos índios eram um entrave para o desenvolvimento económico do país e, por isso, prometeu abri-los à exploração mineira e agropecuária, mesmo que os territórios estejam protegidos pela Constituição brasileira de 1988.

E assim foi. «Desde que começou o mandato, Bolsonaro declarou guerra contra os povos indígenas: está tentando entregar a competência da demarcação das terras indígenas para os ruralistas, emitiu decretos para tornar mais difícil a proteção dos territórios indígenas e para monitorizar os aliados dos povos indígenas e através de uma retórica racista, está encorajando invasores a atacar comunidades indígenas e a roubar suas terras», afirmou ao b,i. Priscilla Menezes de Oliveira, porta-voz da Suvival International, movimento global pelos povos indígenas.

Invasões desde Bolsonaro

Os garimpeiros sempre estiveram presentes na Amazónia, como noutras reservas naturais que albergam índios e que são por lei, seu território. Mas desde que o Brasil mergulhou numa crise política e, mais recentemente, com a eleição de Bolsonaro, há uma viragem brusca nas invasões de terras indígenas. 

Em maio, a Comissão Indigenista Missionário, alegou que as invasões cresceram 150% desde a eleição do capitão na reserva para o Planalto. Um estudo feito por investigadores internacionais, pedido pela Rede Amazônica de Informação Ambiental Georreferenciada, no último mês de junho, indica que 68% das áreas de proteção ambiental e territórios indígenas estão sob ameaça. Por sua vez, a extração mineira e de petróleo são as atividades que representam o maior risco.

Desde que Bolsonaro foi eleito,  o pulmão do planeta perdeu mais 1500 km2 de floresta (15 vezes a área da cidade de Lisboa), devastação 39% superior ao mesmo período do ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Só no último mês de julho, a área devastada aumentou 278% em relação ao mês homólogo do ano anterior. O pulmão do planeta vai encolhendo e Bolsonaro não abdica de dizer que a Amazónia é um assunto estrito da soberania brasileira. Confrontado com os dados do Inpe, o Presidente demitiu Ricardo Galvão, diretor da instituição.

A destruição da maior floresta tropical do mundo devido a interesses económicos, para a porta-voz do Survival International, ameaça a sobrevivência dos povos indígenas. «O impacto ambiental, causando desmatamento, contaminação dos rios e do solo que inviabiliza a pesca, as plantações e a utilização da água», continuou, acrescentando que também existe «o risco de espalhar doenças contra as quais os indígenas não possuem resistência, dizimando-os».

A estratégia para enfraquecer a condição das comunidades indígenas não se ficou apenas por palavras. Bolsonaro prometeu durante a campanha que iria desmantelar o Fundo Nacional do Índio (Funai), o órgão histórico de promoção dos direitos dos povos indígenas, encarregue de identificar, demarcar, delimitar e registar as terras das nações indígenas. «Se eleito, vou dar foiçada no Funai, mas uma foiçada no pescoço».

A «foiçada» ocorreu logo na noite de tomada de posse como Presidente do Brasil. Através de uma medida provisória, Bolsonaro transferiu as principais competências do Funai para o Ministério da Agricultura. «Um absurdo, porque são justamente as pessoas da agriculturas, os grandes produtores, que querem impedir que mais terras sejam demarcadas e, inclusivamente, reverter demarcações de terra de outros povos», salientou Salaviza. 

«Essas ações genocidas são sem dúvida desastrosas para os povos indígenas e podem dizimar os povos indígenas isolados», assegurou também Priscilla Oliveira, em relação ao perigo que as ações de Bolsonaro constituem para as comunidades.

Discriminação

Apesar da «guerra declarada» de Bolsonaro contra os indígenas, o assassinato de Emyra Wajãpi foi uma surpresa até para os mais atentos, temendo-se ser este o início de algo muito pior. Quando instado a comentar o homicídio, Bolsonaro remeteu a questão para o lado e disse, mais uma vez, o que pensa em relação os indígenas e aos seus territórios: «Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONG’s [organizações não governamentais] de outros países não querem. Querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico».

«Desde o século XVI, que os indígenas sempre foram vistos como um empecilho ou como um obstáculo a um projeto desenvolvimentista e extrativista. A narrativa de que os indígenas estão num estágio civilizacional anterior ao Ocidente por um lado, e por outro sempre se propagaram uma série de estereótipos de que o índio é preguiçoso, de que o índio não quer trabalhar, que tem terra e que a terra é improdutiva», observou Salaviza.

Desde os tempos da colonização portuguesa que os índios são pressionados para se assimilarem. «Com o apoio da Igreja, de seitas de evangélicos, que continuam a insistir na catequização dos índios à força. O apoio a estas seitas aumentou e com isso, a sua legitimidade. Agora estão mais à vontade, para avançarem com a evangelização das comunidades», explicou o realizador. 

Para Salaviza, isso acontece porque «as instituições estão esvaziadas». E materializa: «No caso de invasões de terras no Amazónia, a Polícia Federal diz não ter meios para expulsar os invasores da terra. As seitas de evangélicos entram na Amazónia sem a autorização do Funai, sem nenhum tipo de problema», e isso acontece porque as instituições estão morrer «por entropia». «O Funai continua a existir formalmente, mas há partes do Brasil onde os carros não andam e os telefones não funcionam. É uma instituição em ruínas. Se existiam ainda, há alguns anos, algumas forças institucionais ou não governamentais a apoiar os índios nas suas lutas, neste momento é muito mais complicado. O campo de forças desequilibrou-se imenso», defendeu.

Todavia, Bolsonaro tem, nas instituições e não só, quem lhe faça frente. No mês passado, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a transferência das competências do Funai para o Ministério da Agricultura. Quando o Governo propôs acabar com Secretaria Especial de Saúde Indígena, um modelo descentralizado de cuidados de saúde essencial para os índios, as comunidades indígenas do país inteiro juntaram-se para lutar contra a proposta. Depois de uma semana de ocupações de edifícios e estradas, conseguiram que o Governo recuasse. 

«Os povos indígenas e seus aliados ao redor do mundo não desistirão de lutar pela proteção dessas terras – as mais biodiversas do planeta – e pelo direito dos indígenas de viverem nas suas terras na maneira que quiserem», assegurou Priscilla Oliveira. 

E não foram só os indígenas que se levantaram no Brasil contra a política de Bolsonaro. «Há uma maior consciência do todo. A violência vencida do Bolsonaro está a gerir formas de resistência vigorosas, que passam pela união das diferentes lutas: negros, LGBT, aos indígenas. Que vai para além das lutas históricas que teve a esquerda. São movimentos mais amplos e heterogéneos. Essas comunidades querem protagonizar as suas próprias lutas», concluiu Salaviza.