Brexit. A vida de Boris ficou mais difícil

A oposição fez tudo para obrigar o primeiro-ministro britânico a pedir uma extensão do prazo do Brexit. ‘Preferia estar morto numa valeta’, disse Boris. 

Foi uma semana dos diabos para o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. O líder conservador viu o Parlamento desmontar sucessivamente os seus planos para a saída do Reino Unido da União Europeia, ao mesmo tempo que enfrentava uma rebelião de deputados do seu partido – incluindo o próprio irmão de Johnson, Jo. Agora, a única saída de Boris parece ser conseguir eleições antecipadas – algo que o Parlamento já chumbou, mas que o Governo vai tentar de novo aprovar esta segunda-feira.

Logo a meio da semana, na quarta-feira, Boris foi proibido pela Câmara dos Comuns de sair sem acordo da UE a 31 de outubro, algo que via como essencial para pressionar Bruxelas a negociar – já os opositores acusam-no de ter a saída não negociada como objetivo e protelar para o conseguir. Johnson acusou a Câmara dos Comuns de votar «para parar ou atrapalhar qualquer negociação séria». O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, respondeu: «Este primeiro-ministro alega que tem uma estratégia, mas não nos pode dizer qual é». E rematou: «É uma política sob um véu de mistério. E como com a nova roupa do imperador, de facto não está lá nada». 

Johnson entrou no hemiciclo com uma frágil maioria de apenas um deputado, que foi quebrada em pleno debate, a meio do discurso do primeiro-ministro, quando Philip Lee se levantou da bancada conservadora e se sentou na dos Liberal Democratas, ferozmente contrários a qualquer saída da UE.

Vinte e um outros deputados conservadores seguiriam o exemplo de Lee, votando contra uma saída não acordada. Johnson cumpriu as suas ameaças e expulsou os rebeldes do grupo parlamentar – praticamente impedindo-os de se candidatar pelos conservadores nas próximas eleições.

Não só se trata de uma medida disciplinar rara – apenas aplicado a outros 20 conservadores nas últimas duas décadas – como estão entre os sancionados dez ex-ministros – vários deles próximos de Theresa May –, um ex-candidato à liderança dos conservadores e históricos como Nicholas Soames, neto de Winston Churchill, o ídolo político de Johnson. Algo que levou a duras críticas externas e internas, bem como a exigências de que os 21 sejam readmitidos, vindas de nomes como Sajid Javid, ministro das Finanças, ou John Major, antigo líder conservador.

Evitar ‘o veneno de uma saída não negociada’ ou ter medo?

Com um pano de fundo de derrota e revolta interna, o primeiro-ministro desafiou a oposição a aceitar eleições antecipadas. A data seria 15 de outubro, convenientemente dois dias antes antes do próximo encontro dos líderes europeus – que terão de aprovar qualquer adiamento do prazo do Brexit. Nesse caso, se Johnson tivesse maioria nas eleições, não seria impossível revogar a decisão do Parlamento e sair sem um acordo da UE na data limite de 31 de outubro. Algo que praticamente todos os trabalhistas e liberais-democratas querem evitar a todo o custo.

«A oferta de uma eleição hoje é um pouco como a oferta de uma maçã à Branca de Neve pela Rainha Malvada. Porque o que está a ser oferecido não é nem uma maçã ou uma eleição, mas o veneno de uma saída não negociada», explicou Corbyn antes de se votarem. Johnson foi derrotado mais uma vez, com 298 contra e 56 a favor – quando precisava de dois terços da câmara para vencer. Johnson criticou Corbyn por «impedir o povo de votar», afirmando que tal se devia ao facto de que o líder trabalhista «não pensa que pode ganhar».

Apesar da insistência de Johnson, não parece que vá conseguir eleições antecipadas nos seu termos. Representantes de vários partidos da oposição reuniram-se esta quinta e sexta-feira para coordenar o chumbo da proposta na próxima segunda-feira.

«Se votarmos por uma eleição geral, não importa o que quer que Boris Johnson prometa, cabe-lhe a ele aconselhar a Rainha sobre a data», disse à BBC a ministra-sombra dos Negócios Estrangeiros trabalhista, Emily Thornberry – sugerindo que o seu partido só aceitará eleições depois de ser feito o pedido de um adiamento do Brexit. Algo que os trabalhistas poderiam fazer seria propor uma moção de censura a Boris, a qual só necessitaria de uma maioria, não de dois terços como para eleições antecipadas. Caindo o Governo, só poderia haver eleições a partir de dia 29 de outubro – demasiado tarde para impedir o adiamento.

Uma possibilidade em cima da mesa seria o próprio primeiro-ministro pedir um moção de desconfiança sobre si mesmo. Mas isso não evitaria que – caso não conseguisse um novo acordo com a UE até 17 de outubro – Boris tivesse de ir a Bruxelas pedir um adiamento do Brexit. «Preferia estar morto e numa valeta», declarou o primeiro-ministro, esta quinta-feira.

Johnson parece estar entre a espada e a parede. Talvez a sua única escapatória seja demitir-se e pedir à Rainha que envie o líder dos trabalhistas para o substituir. É difícil imaginar o asco que essa hipótese fará a Johnson – que ainda esta semana acusou Corbyn de estar alinhado com o Kremlin, Teerão e Caracas. Ainda assim, é algo que poderia resultar em eleições na data desejada por Johnson.

Confronto eleitoral

As sondagens não têm trazido boas notícias para o Partido Trabalhista de Corbyn, que tem menos 10% de intenções de voto que os conservadores, segundo o YouGov. Mas não seria a primeira vez que Corbyn tinha uma subida estrondosa em eleições em que tinha tudo para perder – como foi no caso do seu confronto eleitoral com a anterior primeira-ministra, Theresa May, em 2017. Na altura, Corbyn partiu para eleições antecipadas com a maioria das sondagens a darem uma margem de 20 pontos percentuais a May – que acabou a vencer com apenas mais 2,4% dos votos, menos de dois meses depois.

Contudo, hoje a maré política parece favorável a Boris, cujo partido já ganhou 6% das intenções de voto desde que subiu à liderança dos conservadores, de acordo com o Politico. Havendo eleições antecipadas, é certo que o Brexit será o assunto principal – sejam as eleições antes ou depois do adiamento do prazo para a saída. E aí Corbyn está em clara desvantagem, dado que 70% dos britânicos estão insatisfeitos com o modo como lidou com o processo, segundo uma sondagem recente da Ipsos – enquanto apenas 49% dos britânicos estão insatisfeitos com Johnson.

Contudo, o resultado de uma possível eleição antecipada é uma incógnita. Sobretudo dadas as particularidades do sistema eleitoral britânico – onde muito depende de representantes locais. Por exemplo, apesar de May ter tido mais 2,4% dos votos que o líder trabalhista em 2017, acabou com cerca de 48,8% dos deputados e Corbyn com apenas 40,3%.