70 anos da República Popular da China. Em Hong Kong não houve razões para celebrar

O Governo central ensaiou o maior desfile militar na sua História. Mas os confrontos em Hong Kong estragaram a demonstração da unidade nacional em Pequim. 

No dia em que se comemorou o septuagésimo aniversário da fundação da República Popular da China com uma gigantesca parada militar para reafirmar o estatuto do país como superpotência e consolidar a posição do Presidente, Xi Jinping, como o líder chinês mais poderoso depois de Mao tsé-Tung, a demonstração de unidade nacional foi quebrada pela continuação do duelo entre a polícia e os ativistas em Hong Kong. Pela primeira vez, um manifestante foi alvejado pelas forças de segurança com uma bala real.

A data assinalada é da maior importância para o Partido Comunista da China: este ano, a República Popular ultrapassa a União Soviética em tempo de vida. E fê-lo com pompa e circunstância. Num desfile de 80 minutos, na avenida Chang An – conhecida como a rua da Paz Eterna -, em Pequim, viu-se um rio de tanques, mísseis, aviões e 15 mil tropas a marcharem, a que se juntou a apresentação de novo armamento, como drones hipersónicos e mísseis balísticos intercontinentais capazes de atingirem qualquer parte do território dos Estados Unidos. Foi a maior parada militar da História do país, onde se exibiram 580 peças de armamento e 160 aeronaves.

“Saudações, camaradas”, falou Xi, vestido com um fato semelhante ao que Mao tsé-Tung utilizava, como é tradição nestas comemorações, na limusine de bandeira vermelha a examinar as tropas, antes de discursar. “Camaradas, estão a trabalhar arduamente”, ao que as tropas responderam em uníssono: “Saudações, Presidente” e “Sirva o Povo!”.

Ao desfile militar, sucedeu-se a parada civil, onde o passado e o futuro da China foram representados de forma otimista. As palavras de Xi Jinping no seu discurso antes da parada também foram nesse sentido: “Não há nenhuma força que possa abalar a fundação desta grande nação. Nenhuma força pode parar o avanço firme do povo chinês e da nação chinesa”, disse, a partir do mesmo lugar onde Mao tsé-Tung decretou a fundação da República Popular da China, em 1949, na varanda da Porta da Paz Celeste, na Praça Tiananmen.

No discurso, o Presidente da China vincou o mote patriótico que tem utilizado desde que chegou ao poder em Pequim: “Neste dia há 70 anos atrás, o camarada Mao tsé-Tung anunciou ao mundo a criação da República Popular da China, e o povo chinês, doravante, levantou-se”. “Este grande evento”, continuou, “transformou completamente a face trágica da China, que por mais de um século de história moderna, foi pobre, fraca e oprimida”. E acrescentou: “A nação chinesa avançou ao longo do grande caminho em direção ao seu grande rejuvenescimento”. 

Marcharam 100 mil pessoas, exibiram-se retratos de Mao tsé-Tung e de outros líderes chineses anteriores a Xi Jinping, como Hu Jintao e Jian Zemin, que o ladeavam na varanda da Porta da Paz Celeste, numa clara demonstração de unidade e solidariedade nos tempos difíceis que o regime atravessa, com a instabilidade em Hong Kong. Carrie Lam, chefe de Governo da megacidade, também se encontrava na varanda da Porta da Paz Celeste.

 

Batalha Campal em Hong Kong Se em Pequim se agia como um só coreograficamente, em Hong Kong os manifestantes não foram na onda e a batalha campal arrastou-se para esta terça-feira, chegando mesmo a um dos picos mais tensos dos últimos quatro meses. Depois de disparar balas reais para o ar, a polícia acabou por atingir um estudante de 18 anos no peito. As autoridades lamentaram o ocorrido e o manifestante tem boas hipóteses de sobreviver, de acordo com o South China Morning Post. Mas o Human Rights Monitor argumentou que o sucedido era mais do que evitável.

As autoridades avisaram na véspera que iriam reforçar o controlo dos protestos e endurecer as táticas na megacidade, ao alertar que os manifestantes planeavam ações “muito perigosas” e descrevendo a violência das manifestações do último fim de semana como estando a “um passo do terrorismo”. E para impedirem que os protestos ofuscassem as comemorações em Pequim, não o fizeram só através de palavras: segundo fontes do South China Morning Post, no passado domingo as autoridades acusaram 96 manifestantes de provocarem motins, um crime cuja sentença pode chegar aos 10 anos de prisão.

O caos instalou-se e houve de tudo em Hong Kong esta terça-feira, num desafio direto a Pequim – até porque a marcha não foi autorizada. Os manifestantes entraram em conflito com a polícia de choque em toda a cidade, em doze áreas diferentes, quando se direcionavam para o local onde estão os edifícios do Governo.

Gás lacrimogéneo, barricadas, cocktails molotov e canhões de água foram uma constante na batalha entre os manifestantes e a polícia. “Lutar pela liberdade. De pé com Hong Kong”, gritaram os ativistas. As sirenes das ambulâncias tocavam ininterruptamente, a polícia corria sem parar atrás de pessoas vestidas de preto e foram encerradas 36 estações de metro – mais de um terço das que existem em Hong Kong. Segundo o South China Morning Post, ocorreram mais de 100 detenções, 51 pessoas (dos 11 aos 75 anos) ficaram feridas.

“Precisamos de defender a reunificação pacífica e o ‘um país, dois sistemas’, proteger a estabilidade de Hong Kong e Macau […] e unir o povo chinês”, proclamou Xi Jinping. Ainda assim, durante a cerimónia não mencionou uma única vez a violência na antiga colónia britânica.