Folha de S. Paulo arrasa Bolsonaro depois de ameaça de boicote aos seus anunciantes

“Prestes a completar cem anos, este jornal tem de lidar, mais uma vez, com um presidente fantasiado de imperador”.

Depois Jair Bolsonaro deixar de fora a Folha de S. Paulo quando lançou, na última semana, a licitação de assinaturas de jornais e revistas para o Governo brasileiro, e de ameaçar boicotar os seus anunciantes, o jornal, um dos principais naquele país, já respondeu e arrasa o Presidente brasileiro num artigo intitulado “Fantasia de imperador”.

Além de considerar que o chefe de Estado do Brasil é uma “personalidade que combina leviandade e autoritarismo”, a Folha de S. Paulo vai mais longe e diz mesmo que as regras do Estado democrático de Direito têm de ser “impingidas” a Bolsonaro “ de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança”.

“Porque ele não se contém, terá de ser contido – pelas instituições da República, pelos sistemas de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira. O palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio”, lê-se no artigo da publicação brasileira, a que o SOL teve acesso.

A Folha considera ainda que o cargo de Jair Bolsonaro não lhe dá o direito de “tudo”, incluindo querer impor aos cidadãos “os caprichos das suas vontades e dos seus desejos primitivos”, acusando assim o Presidente de abuso de poder.

“A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador dos Estados Unidos (…) O império dos sentidos não preside a vida republicana”, acusa o jornal, relembrando que, segundo a Constituição, a “legalidade, impessoalidade, e a moralidade governam a administração pública”, o que o chefe de Estado brasileiro não está a cumprir.

O jornal compara a atitude de Bolsonaro em querer punir quem não cumpre as suas “ordens”, ao seu próprio incumprimento da Constituição através de vários exemplos.

“A Carta equivale a uma ordem do general à sua tropa. Quem não cumpre deve ser punido. Descumpri-la é, por exemplo, afastar o fiscal que lhe aplicou uma multa. Retaliar a imprensa crítica por meio de medidas provisórias. Ou consignar em ato de ofício da Presidência a discriminação a um meio de comunicação, como na licitação que tirou a Folha das compras de serviços do governo federal”, exemplifica.

“Igualmente, incitar um boicote contra anunciantes deste jornal, como sugeriu Bolsonaro nesta sexta-feira, escancara abuso de poder político”, acusa a Folha.

Para a referida publicação esta não é uma questão relativa a dinheiro, mas sim de “princípios”, já que as assinaturas canceladas pelo Governo brasileiro são apenas dezenas das mais de 300 mil que esta tem.

“Prestes a completar cem anos, este jornal tem de lidar, mais uma vez, com um presidente fantasiado de imperador. Encara a tarefa com um misto de lamento e otimismo. Lamento pelo amesquinhamento dos valores da República que esse ocupante circunstancial da Presidência patrocina. Otimismo pela convicção de que o futuro do Brasil é maior do que a figura que neste momento o governa”, remata.

Recorde-se que a Folha de S. Paulo tem sido crítica do Governo de Bolsonaro, a principal razão apontada para a decisão do Presidente brasileiro que considerou que o jornal deve retirar todos os “males e calúnias” que disse sobre a sua pessoa.