Teresa Andresen: “Gostava de ver as políticas públicas com uma forte base territorial”

A arquiteta paisagista Teresa Andresen foi a laureada da primeira edição do prémio Gonçalo Ribeiro Telles e aproveitou o momento para alertar que a tragédia dos fogos na Austrália é, nos dias de hoje, um problema de todos.

A arquiteta paisagista Teresa Andresen foi distinguida na primeira edição do prémio Gonçalo Ribeiro Telles. O galardão foi esta sexta-feira entregue na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, numa cerimónia que contou com a presença de Fernando Medina, da Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota; do Reitor da Universidade de Lisboa, António Manuel da Cruz Serra; do advogado Sá Fernandes e do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, cuja presença não tinha sido confirmada. Dom Duarte, duque de Bragança, também assistiu à entrega do prémio, e Paulo Portas também se avistava entre o composto público do auditório.

Teresa Andresen, que atualmente é presidente da Associação Portuguesa dos Jardins Históricos, foi distinguida pelo seu trabalho enquanto “protagonista de intervenções vanguardistas e transformadoras no Ambiente e na Paisagem” e pelo seu “percurso de vida fortemente ligado ao serviço do bem comum”.

“Partilho com Gonçalo Ribeiro Telles uma formação em engenharia agronómica e em arquitetura paisagista no Instituto Superior de Agronomia, uma combinação que nos preparou para um modo próprio de compreender o mundo, em que a prática profissional se torna uma forma de estar na vida”, recordou a arquiteta no seu discurso de agradecimento, em que sublinhou contributo de Gonçalo Ribeiro Telles, que aproveitou para homenagear. “A paisagem portuguesa de hoje – apesar das vicissitudes – deve muito dos valores que nela perduram à visão e a gestos maiores de Gonçalo Ribeiro Telles”.

A laureada falou ainda da importância dos jardins, tantas vezes tida como menor, na criação da cidade. “O jardim pode ser visto como um microcosmo a partir do qual se entende o macrocosmo. A construção das grandes cidades nasceu da experiência da construção dos jardins”, afirmou, aproveitando o momento para deixar alguns desejos. “Gostava de ver as instituições do ensino pré-escolar motivadas para educar jardineiros. Os meninos deviam passar horas a jardinar… a ler e a interpretar os sinais da horta, do jardim, da mata, da paisagem … a pintar, a fazer música, a brincar. […] Gostava de ver os nossos parques naturais, os nossos parques e jardins públicos, os nossos corredores verdes e azuis, os nossos jardins históricos amados como lugares únicos e sagrados.  É preciso dizer não à sua 'disneylandização'”.

E, num recado para o poder político, exprimiu a vontade de “ver a figura de ‘paisagem cultural’ há mais de 20 anos consagrada na Convenção do Património Mundial da UNESCO transposta para o quadro legal português”, recordando a necessidade premente de as políticas públicas atacarem “o âmago do problema da nossa paisagem contrariando o abandono da gestão da paisagem” e da construção de uma “política pública de agricultura e floresta para Portugal que fosse simultaneamente um instrumento ordenador do território”.

Para Teresa Andresen, essas mudanças fazem parte da forma como devemos, atualmente, estar no mundo. “Hoje, a tragédia que vivem os cidadãos australianos, os coalas, os cangurus, os corais do reef, as suas florestas não é mais um problema deles, lá longe – também é nosso, aqui nesta sala”, alertou.

O extenso currículo de Teresa Andresen começou a ser desenhado com uma licenciatura em Arquitetura Paisagista e Engenharia Agronómica, pelo Instituto Superior de Agronomia, em 1982. Seguiu depois para a Universidade de Massachusetts onde se tornou mestre em Arquitetura Paisagista. De volta ao país, doutorou-se pela Universidade de Aveiro, em 1992. Foi docente durante 30 anos, no Instituto Superior de Agronomia e na Universidade de Aveiro e a responsável pela criação do curso de Arquitetura Paisagista na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Pelo caminho, foi ainda diretora do Jardim Botânico do Porto e do Parque da Fundação de Serralves e presidente do Instituto da Conservação da Natureza (atual ICNF). É também membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, membro do Comité Científico da Fundação Benetton, perita de Portugal na Comissão Permanente do Património Mundial da UNESCO e Membro do Conselho Consultivo da Missão Alto Douro Vinhateiro Património Mundial, sendo que a lista não se finda nestes cargos.

Entre outros projetos, ao longo da sua carreira elaborou a candidatura da Região Demarcada do Douro a património mundial da UNESCO, propôs uma Rede de Parques Metropolitanos para a Região do Porto e coordenou a candidatura do Santuário do Bom Jesus do Monte em Braga a património mundial da UNESCO.

O prémio Gonçalo Ribeiro Telles é uma iniciativa partilhada pel’A Causa Real, o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, a Ordem dos Engenheiros e a Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas. O galardão surgiu como forma de perpetuar o legado de “valorização da identidade portuguesa e de gestão perene dos recursos coletivos e de harmonia do território” inaugurado pelo conceituadíssimo arquiteto paisagista, que conta atualmente com 97 anos.