Fernanda Pires da Silva

1926-2020  A mentora do Autódromo do Estoril

1926-2020  A mentora do Autódromo do Estoril
 
Autódromo Fernanda Pires da Silva. O nome e os espaço, para os adeptos do automobilismo, dispensa apresentações. Mas haverá muitos que não saberão que falamos do autódromo do Estoril, que carrega efetivamente o nome da empresária em jeito de homenagem. Afinal, foi ela a colocar-se na pole position na hora de lançar este projeto pioneiro em Portugal, em 1972 – lá iremos. A empresária e presidente do grupo Grão-Pará morreu há uma semana, aos 93 anos, não tendo sido avançada a causa da sua morte. Foi sepultada na passada segunda-feira, no cemitério da Guia, em Cascais.
 
Nascida em Lisboa, em 1926, Fernanda Pires da Silva casou duas vezes. O primeiro marido foi Abel de Moura Pinheiro e desta união nasceu Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro, também empresário e antigo dirigente do CDS. Casou em segundas com Alberto Teotónio Pereira, tendo nascido deste casamento João Paulo Teotónio Pereira, que faleceu em 2001.
 
Em 1950, a família parte para o Brasil e funda a Predial e Administradora Grão-Pará, numa altura em que o filho mais velho tinha quatro anos. É nesta altura que Pires da Silva inicia a sua prolífica carreira como empresária, pondo a Grão Pará a operar logo nos anos sessenta nos estados do Rio de Janeiro, Goiás e Guanabara.
 
Os negócios correm-lhe bem. «Empreendedora e audaciosa», Fernanda Pires da Silva «mexia-se com agilidade junto dos governantes do antigo regime, o que lhe permitia ganhar margem de manobra em negócios, nomeadamente no turismo. Uma área acarinhada pelo Estado Novo, apostado em apoiar financeiramente a construção de novos hotéis», escrevia o Público em 2005 num artigo sobre império Grão Pará.
 
O grupo vai crescendo com a diversificação dos negócios – há de estender-se ao longo das décadas à construção civil, imobiliário, turismo, gestão hoteleira e ainda à indústria dos mármores –, assim como o peso de Fernanda Pires da Silva tanto no Brasil como neste lado do Atlântico. Tanto que em em 1974, o jornal A Capital distinguiu-a como empresária do ano, isto numa altura em que a Grão-Pará se contava entre os dez maiores grupos nacionais. 
 
Após o 25 de Abril, as sociedades do grupo foram nacionalizadas e Fernanda Pires da Silva vai para o Brasil. Serão restituídas quatro anos depois, tendo a empresária regressado a Portugal no final da década de 70.
 
Fernanda Pires da Silva estava, efetivamente, numa das fases mais mexidas da sua carreira aquando a Revolução dos Cravos. Abrira há dois anos o autódromo do Estoril (Autodril), infraestrutura emblemática. Inaugurado em junho de 1972 pelo então Presidente da República, Américo Tomás, que percorreu o recinto no seu Rolls Royce, foi o primeiro autódromo do país, erigido em terrenos comprados ao empresário Lúcio Tomé Feteira. O projeto, idealizado pela própria, foi desenhado pelo arquiteto brasileiro Ayrton Cornelsen.
 
Segundo a descrição feita por Joana Stichini Vilela no livro Lisboa, anos 70, a inauguração terá sido precoce – ao ponto de, numa conferência de imprensa dada cerca de um mês depois da abertura de portas, Fernanda Pires da Silva ter reconhecido a ‘pressa’, culpando a «falta de mão-de-obra, o clima e alguma pressão do calendário internacional de automobilismo».
 
Independentemente do arranque menos auspicioso e dos sucessivos problemas que o assolam, certo é que se torna num ponto de referência tendo sido, até à construção do Autódromo Internacional do Algarve, em 2008, o maior do país. É ali que decorre o Grande Prémio de Portugal, cuja última edição aconteceu em 1996. Os anos 90, aliás, marcaram o início de um diferendo com o Estado, que em 1997 acabará por assumir 51 por cento do Autódromo. O espaço reabriu com um novo traçado em 2000 e preparava-se para receber novas provas de Fórmula 1, mas a derrapagem no custo das obras pôs um ponto final a esta intenção. Em 2007, o Estado, através da Parpública, ficou com 100% do autódromo e colocou-o à venda. Em 2015, a Câmara Municipal de Cascais tentou compra da sociedade gestora do Autódromo do Estoril (a Circuito do Estoril SA), mas o processo foi rejeitada pelo Tribunal de Contas.
 
Foi várias vezes homenageada. Durante a presidência de Jorge Sampaio, recebeu a Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial e foi condecorada como Grande-Oficial da Ordem do Mérito e elevada a Grã-Cruz da mesma Ordem. E no mundo do desporto automóvel o seu nome também nunca foi esquecido – em 2012, a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK) atribuiu o título de Sócio Honorário à empresária. 
 
Nas redes sociais, João Soares foi um dos nomes que lhe prestou homenagem. «Era uma mulher extremamente dinâmica, com uma notável capacidade de realização, audaz, e inovador», referiu.