Eutanásia e suicídio assistido

Cada um sabe bem que a lei da vida é nascer e morrer. O importante é sofrer o menos possível e hoje a dor física pode ser totalmente controlada: daí a importância dos cuidados paliativos que é essencial desenvolver por forma a que todos lhes tenham acesso, e assim se ajudem as pessoas a viver…

Ao procurar avaliar um problema tão importante como a Eutanásia e o Suicídio Assistido, importa em primeiro lugar que todos conheçam e compreendam o ‘Verdadeiro’ significado das palavras e que, por outro lado, compreendam os argumentos e as razões dos que concordam ou discordam, isto, evidentemente, sem permitir que a adulteração do verdadeiro significado das palavras leve a acreditar no simplesmente inacreditável e totalmente inaceitável. 
Eutanásia é a morte intencionalmente provocada por um profissional de saúde, mesmo que a pedido do doente ou de familiares próximos. Não é mais do que tirar a vida, seja qual for a razão e a idade. Não é Eutanásia a aplicação de medicação administrada com a intenção de diminuir o sofrimento do doente terminal incurável, mesmo que contribua indiretamente para abreviar a vida, no denominado mecanismo de ‘duplo efeito’. Aqui o que verdadeiramente conta é a intenção do gesto terapêutico. E até por isso é fundamental o compromisso dos médicos na defesa da vida e na luta contra o sofrimento dos outros seres humanos. 

O Suicídio ‘Farmacologicamente’ Assistido, por profissional de saúde ou por qualquer outra pessoa, sob qualquer argumento, mesmo por compaixão e o desejo de aliviar o sofrimento, se acaba com o sofrimento é também porque acaba com a pessoa que sofre, sendo igualmente tirar a vida.
Distanásia ou obstinação terapêutica, em que se prolonga a vida sem qualquer esperança de recuperação e com o inerente sofrimento do doente e dos familiares, é igualmente um erro grave e claramente condenável. 
E parecem esquecer também que muitos pedidos de Eutanásia acabam mais tarde por ser rejeitados por pessoas arrependidas desse pedido.  
O juramento feito após concluir o curso de Medicina obriga a procurar promover a saúde evitando doença, a tratar o doente da melhor maneira possível (quer humana quer cientificamente) e a nunca deixar de o apoiar sempre, mesmo quando os cuidados que curam já não podem ser eficazes e a morte não deixará de surgir como a lei da vida determina.

Cada um sabe bem que a lei da vida é nascer e morrer. O importante é sofrer o menos possível e hoje a dor física pode ser totalmente controlada: daí a importância dos cuidados paliativos que é essencial desenvolver por forma a que todos lhes tenham acesso, e assim se ajudem as pessoas a viver a sua inevitável morte, facto da própria vida, através da colaboração multidisciplinar dos profissionais de saúde, da família e dos amigos nomeadamente ao nível das dimensões emocionais, espirituais sociais e até culturais. Para procurar resolver a sua insuficiência atual, não é legítimo que se tente com um erro maior e embora se saiba que, no fim da vida, é quanto a sociedade mais paga para tentar assegurar a saúde às pessoas. É sobretudo nessa fase que é imperioso procurar suavizar a morte, apoiando com solidariedade, amor, carinho e dedicação, nomeadamente da família, dos amigos e dos profissionais.

A recusa em praticar a eutanásia não é impeditiva de que o profissional de saúde possa respeitar a vontade do doente permitindo que o processo natural da morte siga o seu curso na fase terminal da doença. 
Em defesa e proteção das pessoas, não só a Constituição da República Portuguesa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950), bem como todos os Códigos de Ética Médica, afirmam claramente que, nas suas múltiplas dimensões, a Vida Humana é inviolável. O médico que praticasse a Eutanásia negaria o essencial da sua profissão não sendo digno de a exercer. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem decidiu, por unanimidade, que «não será possível criar um direito à autodeterminação, que confira a qualquer pessoa o direito a escolher a morte em vez de viver».

Aliás isso foi de novo recentemente reafirmado, e sem sombras de quaisquer dúvidas, pela Associação Médica Mundial (2017) após a atualização da sua Declaração de Genebra. O que pensaria um doente sabendo que o seu Médico o poderia matar e não apenas cumprir o Juramento feito após concluir o curso de Medicina, e que o obriga a procurar evitar a doença, a tratar o doente da melhor maneira possível (humana e cientificamente) e, finalmente, nunca deixar de o apoiar quando os cuidados que curam já não podem ser eficazes e a morte não deixará de surgir como a lei da vida determina.
Em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os Médicos a violar o seu Código Deontológico. 
Argumentam fundamentalmente os defensores da Eutanásia o direito à plena autonomia individual e à liberdade. Já terão acaso reparado porque é que os veículos em Portugal circulam pela direita e não pela esquerda, não se pode conduzir alcoolizados ou falar ao telemóvel, se deve para com os sinais vermelhos no transito (para não poder prejudicar terceiros…) e também usar capacete ao andar de moto ou cinto de segurança nos automóveis (apenas para sua própria segurança…!). Como aceitam estas limitações da autonomia e liberdade? Parece claro que princípio da autonomia não pode ser levado ao extremo e considerado valor absoluto.

Onde está autonomia se se pretende recorrer a terceiros para morrer? Outra coisa aliás será o suicídio, em que só o próprio intervém e o nosso Código Penal, corretamente, sempre condenou, já que não pertencemos apenas a nós próprios e vivemos integrados na comunidade que nos cerca e no qual a família é elemento fundamental.
Sabendo-se como os efeitos de sugestão social ditam comportamentos humanos, em termos de saúde mental a aceitação da Eutanásia, e de clara nocividade e de um alcance que não se pode prever. Parece ter-se esquecido o problema da denominada ‘rampa deslizante’ em que se começa muito restritivo para depois se ir alargando a progressivamente e com novas opções, cada vez mais liberais (e até mesmo ainda não previstas na lei…), como acontece na Holanda onde, de 17 mortes por Eutanásia por dia no início, se chega agora ao 200! Todos sabemos que se se conseguir abrir uma pequena fresta numa porta fechada facilmente ela fica escancarada… Já se terá pensado porque razão há mais de 200 países no mundo, e só alguns poucos aceitam este erro moral, desvalorizando-o? 
E parecem esquecer também que muitos pedidos de Eutanásia acabam mais tarde por ser rejeitados por pessoas arrependidas desse pedido. 
Dizem os defensores da Eutanásia que ela torna a morte digna! Então entendem que a morte natural e a sua aceitação não o é? Como aceitar tal demagogia e tal deturpação da linguagem e seu significado, no intuito de facilitar a aceitação da sua opinião, que no fundo esquece os valores fundamentais do ser humano, desde que nasce até que morre?

 

António Gentil Martins

Ex-presidente da Ordem dos Médicos e da Associação Médica Mundial