Emile Griffith trazia uma dor por dentro e não podia falar dela com ninguém. Aos fins de semana, quando saía à noite, procurava nunca ser reconhecido. Oscar Wilde chamava às suas escapadelas em busca de relações sexuais com outros homens – «Dinning with the panthers». Emile não lhes chamava coisa nenhuma. Suportava a vergonha e calava-se. Deixava-se envolver pelo silêncio das panteras.
No dia 24 de março de 1962, Emile Griffith matou um homem em frente de uma multidão ululante. Na verdade não o matou logo ali, no ringue do_Madison Square Garden. Benny Paret ainda ficou dez dias em coma. Norman Mayler, que cobriu como repórter esse combate que decidia o título de campeão do mundo de pesos médios, escreveu que nunca tinha visto um homem bater noutro com tamanha violência. Ao 13.º assalto, Paret desmanchara-se junto às cordas como um cartucho de papel pardo e vazio.
Três meses antes, Paret, The Kid, tinha sido espancado brutalmente por um daqueles bulldozers que a história do boxe regista como montanhas de carne e músculo: Gene Fullmer. A sova foi de tal forma hedionda que todos ficaram convencidos de que jamais Benny voltaria a combater. Os médicos foram de opinião diferente. Carimbaram-lhe uma autorização oficial para que voltasse a ser sovado. Foi um caminho sem regresso.
Alguém escreveu um dia que Benny Paret, o cubano de Santa Clara, era analfabeto em duas línguas: castelhano e inglês. Não saber ler nem escrever não foi impeditivo de sucesso: tornou-se campeão do mundo de médios em 1960 e 1961. Começou aí a sua questão com Emile, se é que se tratou de uma questão.
Muita gente escreveu sobre Paret, de Lou Lipsitz, o poeta de To a Fighter Killed in the_Ring, a Dave_Smith, o cantor de Blues for_Benny Kid Paret, e a Mark Kozelek, que deixou musicado: «Benny Kid Paret came a good way/Climbed to the grey sky to raise his hands/Stopped by the better man». O «better man», Emile Griffith, não conseguiu merecer tantas palavras escritas como o rapazola de Santa Clara que matou_à custa de punhos. Aliás, caiu de tal forma no esquecimento que um dia se lamentou: «Não me destruiram por ter matado um homem. Mas perseguiram-me a vida inteira por ter amado homens». E, no entanto, deixava-se fotografar ao lado de beldades loiras e espampanantes. Era a sua forma de esconder a dor das panteras.
Um dia, num documentário, vi um homem alto e melânico abrir os braços e declamar com lágrimas nos olhos: «Comienza el round, voy hacia el centro/en este plan voy a perder/este es el round numero trece/¡voy a demostrarle quién es quién!/Me está llevando hacia una esquina/si caigo aquí me cuentan diez/¡Virgen del Cobre estoy perdido!/No puedo ver/No… pue.. do… ver…». O homem era Nicomedes Santa Cruz Navarra, peruano, o trovador-ferreiro.
O dia 30 de setembro de 1961 foi especialmente triste para Griffith. Perdera frente a Benny ao 15.º assalto de forma tão surpreendente que arrasou muitas casas de apostas. Afinal, em abril aplicara a Kid um KO acachapante e não deixara muitas dúvidas que a diferença de estatura entre ambos marcava a sua superioridade a ferro em brasa. Além disso, suportara a forma viperina como o cubano lhe murmurara ao ouvido de cada vez que se encontraram num daqueles abraços que só os árbitros conseguem separar: «Maricón! Maricón!» Nessa noite, Emile Alphonse Griffith, o gigante de Saint Thomas, nas Ilhas Virgens, chorara como uma criança nos braços de um dos seus amantes sem nome. Paret saíra pela cidade festejando o título, cada vez mais convencido de que se tornara invencível. Humilhara Emile, desfizera-lhe a confiança, apoucara a sua masculinidade. Pusera em prática tudo o que aprendera na lei das ruas. Não imaginava sequer que tinha sido a sua vitória derradeira.
«¿Qué hemos de hacer nosotros los negros/que no sabemos ni leer?/Fregar escupideras en los grandes hoteles/encerar y barrer/manejar ascensores/en el Gran Club servirles de beber».
Nem mesmo depois de ter sido triturado por Fullmer, Kid perdeu a protérvia. Logo no primeiro assalto do combate fatídico de Madison Square Garden, passou uma das luvas pelas nádegas de Emile e ciciou uma porcaria. Viu o sangue raiar nos olhos do adversário. A cadeia de televisão ABC transmitiu tudo em direto. Os murros de Griffith pareciam golpes de bigorna. 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, e mais e mais, O árbitro não mandou parar a carnificina. A cara de_Benny é uma pasta de sangue. «La gente aplaude al que me mata/El referee no dice “break/Que mi mujer no sepa nada…/Mi nombre es BENNY “KID” PARET». Dentro do peito de Emile rosnavam as panteras.
afonso.melo@newsplex.pt