O mesmo indivíduo que difunde notícias falsas sobre refugiados ou imigrantes é capaz de, no mesmo dia, ‘postar’ uma imagem de Auschwitz pedindo que «nunca mais se repita», com o mesmo fervor com que coloca uma fotografia de um por do sol ou de um gatinho.
Mais que a confusão mental de conseguir fazer opções opostas, como se fossem dois indivíduos num só, parece que muitos de nós residem num campo de pensamento onde a Ética nada tem de funcional e onde apenas os instintos da escolha imediata ditam o ritmo e o lugar onde deposita os seus ‘likes’: numa frase bonita, num imagem da natureza, ou num discurso ‘nacionaleiro’ de um líder radical.
Dizia há pouco tempo Noam Chomsky que a Europa parecia estar a entrar numa fase em que a vacina recebida com a tomada de consciência da brutalidade do regime nazi estava a passar de prazo. A memória dessa brutal época era já tão ténue que o negacionismo estava a ganhar terreno.
E, de facto, parece que essa tal vacina perdeu a validade quando vemos o uso de símbolos nazis ou, como recentemente num comício do Chega, alguém a fazer a saudação nazi enquanto o Hino Nacional é cantado.
Há poucos dias, a 28 de janeiro, André Ventura publicou nas redes sociais uma abjeta frase sobre a deputada Joacine Moreira, sugerindo que ela fosse «devolvida ao seu país de origem».
Numa época em que a globalização parece levar todos a toda a parte, há que gritar bem alto que este fenómeno de migrações, de movimentos populacionais e culturais não é em nada novo. Já há centenas de anos que em Lisboa viviam mais negros, judeus e muçulmanos que ‘brancos’. Como imaginamos nós que fosse a população de Lisboa em meados do século XVI, o século das glórias marítimas?
Ora, a ignorância grassa pelas nossas televisões, pelos produtos mediáticos que se consomem. Mas, fundamentalmente, a ignorância vive fecundamente nos programas e nos manuais escolares. Multiplicamos o não saber como quem se anestesia de uma dor que não consegue identificar e que se pretende esquecer, ou nem sequer dar por ela. Ano a pós ano, vamos lançando nas ruas cidadãos que de cidadania nada imaginam a não ser o direito de gritar uns com os outros quando o seu clube de futebol joga.
Sim, a tal vacina de que Chomsky falava parece ter já passado de validade.
Paulo Mendes Pinto, Coordenador da Área das Ciências das Religiões da Universidade Lusófona