Os oito netos do escocês Brown

Jorge Gibson Brown tinha a seu lado, no Alumni,  Alfredo, Carlos, Eliseo, Tomás, Juan e Ernesto, todos seus irmãos.

Em Glasgow, a mais bruta das cidades de toda a Escócia, desde cá de baixo, de Berwick-upon-Tweed onde, numa revigorante tarde de chuva e vento, bebi umas pints de Brew Dog a contemplar o Mar do Norte fazendo estragos na praia até ficar encharcado por dentro e por fora, até lá acima à Ilha de Skye, fala-se um inglês que quase se podia dizer de carroceiros não se desse o caso de eles andarem meio desaparecidos após a Revolução Industrial. Em conversa com um amigo desalentado, ouvi-lhe este desabafo em verso: «This fuckin’ town’a fuckin’ cuss! No fuckin’ trams, no fuckin’ bus! Nobody cares for fuckin’ us!». Demorei a entender que para ele cuss era curse no meio da maldição de tantos fuckin’s. Mas, de resto, a conversa nem correu mal. Abanei sempre a cabeça em sinal de concordância de cada vez que ouvia uma expressão que me parecia fazer sentido e ele pareceu contente com o resultado.

Foi exatamente por sentir que em fuckin’ Leith, um porto nos arredores de Edimburgo, ninguém queria saber deles, que James Brown e Mary Hope decidiram emigrar para Monte Grande, Buenos Aires, Argentina, para trabalhar num aglomerado inglês que se dedicava à implantação dos caminhos de ferro. Isto foi por volta de 1850 e mal chegaram foram vítimas de uma fuckin’ cuss quando o bairro mal amanhado onde os operários se amontoavam colapsou e tiveram de se mudar para San Isidro, bem mais perto do centro da capital já com uma criança nos braços, o filho Diego Brown. 

Diego tornou-se numa das grandes figuras do futebol argentino. Não porque jogasse muito bem, parece que até era um cepo tão abarroado que o dispensaram de praticar o nobre desporto bretão, mas porque teve a incrível capacidade, entranhadamente proletária, de gerar catorze filhos, onze dos quais rapazes o que, se raciocinarmos com base no jogo em si, era um número vantajoso. Não formaram uma equipa, posso já desvendar, mas quase. O terceiro da fornada foi o mais famoso e ganhou cartaz ainda muito fedelho na equipa do liceu onde estudava, a Buenos Aires English High School, sob o nome de Jorge Gibson Brown, mais conhecido por ‘El Patricarcho’ pela sua forma natural de liderar os companheiros. Decidiu seguir a profissão e foi contratado pelo Lanús Athletic Club, do Barrio de Las Barracas, onde se vivia tangamente e se guardavam, mansamente, las cosas de vivir.

Em 1899, Jorge resolveu voltar ao seu antigo clube que, entretanto, se tornara a modos de uma excrescência da Buenos Aires English High School, competindo no campeonato sob o nome de Alumni Athletic Club, adoptando o termo latino que significa, precisamente, ex-alunos. Ora, o Alumni foi a primeira grande potência entre os clubes argentinos. De tal forma que atéà sua precoce extinção, em 1912, ganhou dez campeonatos, três Copas de Competência Jockey Club e três Copas de Honor de Buenos Aires. Um vendaval.

Vários anos após ter abandonado fuckin’ Leith, James Brown e Mary Hope tinham o seu sangue tão entranhado no Alumni que, se fossem vivos, mereciam condecorações. Porque Jorge Gibson Brown, excelente ponta-direita que fazia uma perninha, de quando em vez, como prolífico avançado-centro, estava muito longe de jogar sozinho. Na mesma equipa juntou Alfredo, Carlos, Eliseo, Tomás, Juan e Ernesto, seus irmãos.

Os manos Brown eram a alma e o corpo do invencível Alumni. Carlos era o mais elegante, o príncipe do gambetteo, do drible e da imaginação; a Ernesto puseram a alcunha de El Pacífico, logo ele que era mau como trinta víboras e batia em todas as partes do corpo dos adversários que lhes ficassem abaixo das amígdalas. Jorge, que não tardou a ser chamado à seleção da Argentina, foi recuando no campo e fixou-se como central. Fazia dupla com Juan Domingo Brown que não, não era seu irmão, e tão somente primo direito. Mas também neto de James e Mary…

Carlos Lett foi um dos poucos jogadores doAlumni que não era Brown. Contava: «En este juego una gota de mala sangre entre dos de los jugadores pronto afecta a todo el team. Mas nosotros teniamos la sangre y el carácter de los hermanos».

O fim do Alumni, que não tinha capacidade para se reforçar com antigos alunos com qualidade que quisessem dedicar-se por inteiro a uma profissão que ganhava exigência a cada dia que passava, levou consigo os sete filho de Diego Brown. Jorge recusou-se a ser vencido pela fuckin’ cuss. Passou a jogar noQuilmes Club, um clube de ingleses fundado por ferroviários na pequena cidade do mesmo nome à beira do Rio da Prata. Estava gordo e dedicava-se cada vez mais ao cricket em pelejas renhidas no The Old Ground. Era a figura mais estimada da cidade.Ao contrário do avô não podia dizer: «nobody cares for fuckin’ me!».

afonso.melo@newsplex.pt